No fundo de uma vala, Celestino armava o ferro para mais um alicerce da grande construção que se avizinhava. Tinha uma pele escura impregnada de pó das obras e do sol que apanhava no seu dia a dia. Era pequeno mas robusto e trabalhava com gosto na sua profissão de pedreiro aplicada à construção de betão armado. Era um trabalho duro aquele e mal pago. Começava pelas oito da manhã, fosse Inverno ou Verão e terminava às 17 da tarde. A seguir, ainda ia para casa cuidar do campo e da horta que lá tinha.
O engº Matos chegava mais uma vez à obra no dia da fiscalização para ver o andamento dos trabalhos e verificar a qualidade da construção
Tal como na semana anterior percebeu a razão do ritmo lento da obra .
– Celestino! Isto assim não anda … carago! – Tem que dizer ao seu patrão para pôr aqui mais pessoal…
– Pois sim. E aonde é que eles estão? Esse pessoal de que fala?
– Não há ninguém para as obras, engenheiro! E quando os mais velhos se reformarem então é que vai ser. Vão haver ainda menos.
O engº Matos respondeu:
– Lá isso é verdade. No tempo da crise muitas empresas fecharam e milhares de pessoas emigraram. Mas pouco se fala disso na TV. Felizmente que o António Costa já os chamou de volta e eles vêm por aí abaixo.
Celestino adiantou:
– E mais! Esses que se foram embora ganham três vezes mais do que eu e no Inverno param de trabalhar por causa da neve. É assim na Suíça.
O engº Matos compreendeu a sua indignação e procurou fazer o quadro da realidade atual da construção em Portugal.
– Agora que a construção está em alta não há mão de obra. Não há eletricistas, não há trolhas capazes, não há carpinteiros, não há canalizadores. Os serralheiros do ferro querem agora imenso dinheiro por qualquer coisa … E todos os dias se continua a ver nos jornais pedidos de emprego na construção para emigrarem.
Celestino ia concordando com o engenheiro, pois ambos sentiam a mesma realidade profissional, mas mesmo assim quis arriscar uma ideia.
– Sabe o que nos faz falta?
– Diga Celestino… diga !
– Emigrantes! Como no tempo em que os ucranianos vieram para Portugal.
– Mas gente que queira trabalhar a sério.
O engenheiro sorriu e reconheceu razão nas suas palavras.
– Sim… emigrantes, que a nossa população está cada vez mais velha. Veja lá. Agora não se vê crianças e bebés por essas ruas fora em todas cidades. Vê-se sim é cãezinhos com trela. Até já soube de parques de recreio para cães se conhecerem entre si.
Celestino soltou uma gargalhada sonora:
– É mesmo isso.
– Sabe, no domingo, fui passear com a minha mulher pela beira da praia, ali em Leça, e contei 23 cães a passearem com os donos. Nem um casal com crianças eu vi. Sei lá…. parecia que estava num canil marítimo.
– Oh! Não acredito.
Estou a dizer-lhe! É mesmo verdade … 23, de todos os tamanhos e feitios pela praia fora . E os donos até se riam entre eles. Era uma festa.
O engenheiro respondeu-lhe:
– E sabe que mais Celestino? A partir de outubro as câmaras municipais estão proibidas de matar cães ou gatos nos canis. Parece que não têm sítio onde os meter, mas pronto. Lei é lei!
– Então Sr. engenheiro … sendo assim vamos ter a população de cães a aumentar e a de pessoas a diminuir.
Celestino ficou pensativo por momentos, e fez logo ali um plano de vida.
– Se calhar eu devia era largar o raio da construção e abrir um hotel de cães, com a minha mulher, lá na terra .
– Boa ideia. Olhe que dava mais rendimento. E você não se aleijava de certeza nalgum acidente de trabalho. E até pagava menos impostos, veja lá !
Ficaram ambos calados a pensar nas conclusões que tinham trocado entre si e meio baralhados com o país em que viviam.
Trocaram um olhar e desataram a rir em simultâneo.
Celestino retomou o trabalho no ferro do alicerce e o eng. Matos despediu-se.