O momento que sucede a saída de cena de um líder forte é, por via de regra, um momento difícil na vida dos partidos. Sente-se uma espécie de orfandade, que tende a resultar na alteração dos equilíbrios internos, na ausência de rumo, na falta de programa. Esses momentos podem ser mais ou menos distendidos no tempo, dependendo dos méritos de quem sai, das qualidades de quem chega ou da forma como se integram ou afastam aqueles que fizeram parte do passado recente (e, muitas vezes, não tão recente assim).
O PSD local vive ainda a angústia da saída de cena de Castro Almeida. Retirado este por imposição legal e afastado Ricardo Figueiredo pela intriga interna, o PSD sofreu uma hecatombe eleitoral de que não se prevê recuperação rápida e apresenta-se à cidade, ainda hoje, desnorteado.
Em momentos de transição tão prolongados, acaba por se verificar uma alteração faseada do comportamento. Não se pode falar em mudança de estratégia, propriamente dita, porque não a há. Mas acaba por se perceber uma alteração nas formas de reação aos acontecimentos da agenda política.
Neste último ano, desde as eleições autárquicas até agora, o PSD atuou com base no arrependimento. Independentemente do tema que surgisse na agenda, o PSD reagia à iniciativa política do executivo socialista sempre da mesma forma e em três partes. Uma primeira parte de elogio à atuação do Partido Socialista – é de se lhes gabar a lucidez. Uma segunda parte de crítica ao passado recente do Partido Socialista – crítica um tanto a despropósito, considerando que nenhum membro do atual executivo nele participou diretamente. E uma terceira parte de elogio esfuziante ao anterior executivo do PSD, presidido por Ricardo Figueiredo (mas sempre sem lhe referir o nome). Era lê-los e ouvi-los, num ato de contrição amargurado, como se esperassem que daquele elogio tardio resultasse a expiação de um mal passado, como se este entusiasmo fora de tempo os redimisse de terem tirado o tapete ao líder do dito “anterior executivo” , quando ele se preparava para se recandidatar. Esta primeira fase, a da autocrítica, parece estar encerrada. Na penúltima sessão da Assembleia Municipal, o PSD ensaiou o início de uma nova.
Uma vez que só se manifestou uma vez, esta segunda fase é ainda difícil de qualificar. Chamemos-lhe, talvez provisoriamente, a fase da perplexidade. O PSD está perplexo. E está perplexo por uma dupla motivação. A primeira, é ter verificado que o PS é capaz de governar a cidade. Um partido historicamente arredado do governo dos destinos do concelho, que se apresentou a eleições com uma lista constituída por indivíduos sem qualquer experiência camarária, consegue, afinal, administrar S. João da Madeira. A segunda – talvez a que mais os intriga –, é a verificação constante de que o PS governa melhor do que o PSD. O PSD não concebe que seja possível fazer tudo o que o PSD fazia e, além disso, governar de forma inovadora.
A verdade – objetiva, verificável, inequívoca – é que, apesar das dificuldades próprias de um início de mandato e da escassez de recursos, o PS tem respondido a necessidades que o anterior executivo ignorava. Basta referir o investimento na limpeza das áreas ajardinadas dos bairros da periferia, a limpeza do Parque da Nossa Senhora dos Milagres, a limpeza do há anos negligenciado do Parque Ferreira de Castro. Tudo isto sem descuidar o centro da cidade, que está hoje limpo e florido. Depois, o PS adotou iniciativas relevantes para o quotidiano dos cidadãos que nunca tinham merecido crédito aos executivos do PSD. Refira-se a gratuitidade do TUS para estudantes, o plano municipal de vacinação, a oferta de fichas de atividades aos alunos do segundo ciclo, a abertura do espaço empresa. Deu-se à política de educação uma atenção até agora desconhecida: resolvem-se problemas herdados, removendo o amianto nas escolas, contratando professores de educação física, sanando a questão das cantinas escolares. Verifica-se além disso uma nova forma de olhar para a participação dos cidadãos na governação da cidade. Basta ter presente a realização da assembleia municipal jovem, que se tem revelado um programa de sucesso em toda linha.
Ora, o executivo socialista fez tudo isto, inovatoriamente, mantendo e melhorando os programas de que o PSD se orgulhava. Como não há uma – sublinhe-se, uma – iniciativa política transitada dos mandatos anteriores que tenha sido negligenciada pelo atual executivo – pelo contrário –, o PSD decidiu fazer irradiar sobre os temas da agenda política a confusão em que o próprio está instalado. Insinuando, desdizendo-se, lançando um ataque à integridade do presidente da câmara. Tentando trazer para o centro do debate político – pasmemo-nos – as animações do Verão. Na estreita mundividência deste PSD, não é possível agir em áreas fundamentais para a vida dos cidadãos e, além disso, organizar uma festa bem-sucedida. Mas é. E temo-lo visto.
A perplexidade compreende-se, mas a explicação é simples. Não chega a ser uma questão de opção – porque não foi necessário optar. É uma questão de vontade política. O PS tem. O PSD não tinha.