Integração de pessoas com deficiência no mercado de trabalho está muito aquém do que seria desejável
Mesmo sendo “mais as vantagens do que as desvantagens”, o número de empresas que abrem as portas aos (ex-) formandos da CERCI – Cooperativa para Educação e Reabilitação de Cidadãos com Incapacidade de S. João da Madeira para formação prática em contexto de trabalho (FPCT), estágio profissional e/ou integração no mercado de trabalho com contrato, ao abrigo das medidas do IEFP – Instituto do Emprego e Formação Profissional, I.P., continua a estar muito aquém do que seria desejável. E mesmo com a diretora do Centro de Emprego e Formação Profissional de Entre Douro e Vouga a dizer, em entrevista ao labor, que há “uma evolução positiva na recetividade das entidades empregadoras no que diz respeito à contratação” (ver entrevista na página 9), a verdade é que continuam a ser poucos os empresários que lhes dão uma oportunidade para mostrar o que valem.
“Há [ainda] um estigma muito grande de que a pessoa com deficiência não é capaz”
Segundo Dulce Santos, “há [ainda] um estigma muito grande de que a pessoa com deficiência não é capaz, que não vai render”, e por isso, em seu entender, é preciso cada vez mais “dizer lá fora o quanto os nossos utentes são válidos e competentes”.
Em declarações ao nosso jornal, tanto a diretora técnica da CERCI como a coordenadora da Formação Profissional, Sandra Oliveira, voltaram a dizer isso mesmo, dando a conhecer, uma vez mais, esta “batalha” travada contra o tal “estigma” que resulta, sobretudo, da falta de informação das entidades empregadoras sobre o assunto.
“Para muitos, a deficiência ainda é um tabu”, daí a sua “desmistificação” ser, hoje em dia, “o objetivo de todas as atividades que a CERCI faz”, inclusive ao nível da Formação Profissional. Outros dois entraves à integração no mercado de trabalho são a burocracia, “que continua a ser excessiva”, e, por vezes, os próprios pais, “que têm medo de os filhos virem a ser vítimas de bullying, críticas, ou até mesmo de perderem a PSI (Prestação Social para a Inclusão)”.
Dulce Santos e Sandra Oliveira chamaram a atenção para que, “apesar de os nossos formandos terem uma incapacidade, não estão incapazes para o trabalho”. Pelo contrário. “São muito capazes e esforçam-se para dar a conhecer o quanto são capazes”. Quanto aos empresários, “só têm de perder um bocadinho de tempo a preencher os papéis” e lhes dar um voto de confiança.
Foi o que fizeram a empresa de calçado “Nimco Portugal”, na Vila de Cesar (Oliveira de Azeméis), e a confeitaria e pastelaria “Rainha 5”, em S. João da Madeira, acolhendo Nuno Ribeiro e Rosa Rocha (ou Rosinha como a maioria lhe chama), respetivamente.
Apenas “dois casos bem-sucedidos” em 15 anos de Formação Profissional
Volvidos 15 anos desde o início da Formação Profissional na CERCI, 49 utentes frequentaram os cursos da área de calçado e marroquinaria (Confeção de Calçado e Operador/a de Fabrico de Calçado e Marroquinaria) e 67 o da área de hotelaria, que começou por ser Curso de Serviços Gerais de Hotelaria e depois passou a Curso de Técnico Auxiliar de Hotelaria.
Recorde-se que, neste momento, só existe este último curso, porque, conforme o nosso jornal noticiou na sua revista de calçado de outubro deste ano, “perante uma taxa de integração praticamente inexistente no mercado de trabalho, a CERCI decidiu acabar com o curso de Operador/a de Fabrico de Calçado e Marroquinaria, por tempo indeterminado, e tentar começar com outra valência denominada CAO – Centro de Atividades Ocupacionais”. Facto que não deixa de ser curioso, uma vez que S. João da Madeira é conhecida como a “capital do calçado”.
Feitas as contas, foram cerca de 120 os formandos ao longo destes anos todos. Mas mesmo integrados no mercado de trabalho só estão Nuno Ribeiro e Rosinha. O primeiro conseguiu completar a FPCT, o estágio profissional e, entretanto, foi contratado pela “Nimco Portugal”.
Já a segunda fez a FPCT, “um estágio pós-formação [fruto de um protocolo entre a CERCI e a empresa]” e, desde maio transato, está a fazer um estágio profissional do IEFP (Estágio de Inserção para Pessoas com Deficiência e Incapacidade), remunerado, que pode muito bem culminar na sua contratação daqui a menos de um ano.
São estes os únicos “dois casos bem-sucedidos” até à data: Nuno Ribeiro foi o primeiro ex-formando da CERCI a ser contratado e Rosinha a primeira a realizar um estágio profissional na área da hotelaria. Ou seja, “uma gota no oceano”, na opinião de Sandra Oliveira, para quem isto “tem tudo a ver com a mentalidade”.
“Ainda temos uma mentalidade muito fechada”, lamentou a psicóloga, não obstante acreditar que “as notícias que saíram [inclusive no labor] ajudaram a mudar um bocadinho as mentalidades e que os próprios formandos mostram que merecem o lugar”.
Câmara contrata pela primeira vez um ex-formando da CERCI
“Mentalidades à parte”, a CERCI está “em vias de conseguir mais três/quatro integrações”, uma delas no Município de S. João da Madeira, o que é uma situação inédita.
“Tivemos na autarquia um formando a fazer FPCT, na área da limpeza e, entretanto, após o término do curso, foi proposto utilizar uma das medidas do IEFP”, adiantou Sandra Oliveira, concretizando: “De todas, a que se enquadrava era o Contrato Emprego-Inserção [CEI] para Pessoas com Deficiência e Incapacidade, de um ano, durante o qual vai receber uma bolsa”. Tudo indica que a entrada em funções do ex-formando, no âmbito deste CEI, “acontecerá nos primeiros meses de 2019”. E depois, quem sabe, o próximo passo venha a ser a sua “contratação”.
Questionada pelo labor acerca desta matéria, a vereadora da Ação Social da câmara sanjoanense avançou que, respeitando a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD), “o Município está a desenvolver estratégias de inclusão de pessoas com deficiência, que fazem parte de grupos em risco de exclusão no mercado de trabalho”, nomeadamente através da assinatura de protocolos com a CERCI e a ACAPO – Associação de Cegos e Amblíopes de Portugal”.
Aliás, precisamente no âmbito de tais protocolos, “foram realizados estágios profissionais, em contexto de trabalho na câmara municipal, por duas pessoas portadoras de deficiência, uma de cada uma das duas instituições”, prosseguiu Paula Gaio, referindo ainda que, “de acordo com informação decorrente de reuniões de balanço e avaliação com representantes das instituições e ainda com uma técnica do Instituto de Emprego e Formação Profissional, concluiu-se ser viável e desejada, por cada uma destas pessoas, uma candidatura à Medida ‘Contrato Emprego-Inserção +’, com a duração de 12 meses”.