Eles são o Dr. Flores Santos Leite, o Dr. Francisco Costa e o empresário Emídio Costa. Os três juntos têm 250 anos e encontram-se todos os dias, pelas 11h00, no café Colmeia

A poesia foi “o motor de arranque da tertúlia. Nós começamos por escamotear o Fernando Pessoa numa tentativa de desagregação do seu ´eu´ dos seus heterónimos”, começou por dizer o Dr. Flores Santos Leite ao labor.

Em “O ocaso no seu esplendor” “a política e o futebol estão excluídos dos temas de conversa”, continuou Emídio Costa. Para que de imediato o “irmão” Flores, como o trata, acrescentasse “fugimos muito à política. O tema central é a poesia, o dia a dia no mundo”. Também “falamos de história e das assimetrias entre a ciência, o conhecimento humano e a realidade do dia a dia”, indicaram os “irmãos” Emídio e Flores, respetivamente.

Estas tertúlias são, por vezes, estendidas a almoços e a jantares com convidados de cada um dos seus protagonistas. “A gente procura o convívio” e “a boa gastronomia estimula um bocadinho”, denota o Dr. Flores Santos Leite, provocando risos entre todos os presentes. Pelo meio destes convívios com boa comida e boa companhia existe sempre espaço para pelo menos mais duas “pessoas”. “Gostamos de fumar um cubano e de beber umas bebidas espirituosas”, revelou Emídio Costa.

Os “irmãos” não só gostam de poesia, como também declamam em trio nas sessões de uma tertúlia, as Fugas Poéticas, que se reúne uma vez por mês com o intuito de todos aqueles que apreciam poesia poderem estar presentes para ouvir e/ou declamar poemas e poesia. “Alguns dos poemas que declamamos são do ´irmão´ Flores. E, modéstia à parte, somos muito aplaudidos”, confidenciou Emídio Costa ao labor.

Por “mão” do destino ou de outra entidade qualquer, este é outro dos temas que recorrentemente está em cima da mesa desta tertúlia, o “irmão” Emídio conhece o “irmão” Francisco desde o tempo do Colégio Castilho e o “irmão” Flores mais pelo nome de família e como médico e a poesia uniu-os há quatro anos, mas “isso não conta”. “O que conta mais não é o tempo temporal, mas o tempo que a gente consome que não gasta, apenas ganha”, remata logo o Dr. Flores.

Ora bem e o nome desta tertúlia, “O ocaso no seu esplendor”, é “um nome pomposo de uma tertúlia que não tenciona acabar tão cedo”, esclarecem os três “irmãos” quase que em uníssono. Eles autodenominam-se como os “irmãos tertulianos” Floriano, Franciscano e Emidiano. “Nós divertimo-nos imenso. Passamos aqui horas e horas e nem damos conta”, assumiu o Dr. Flores. Até então, “a tertúlia nunca acabou mal”, garantiu Emídio, provocando risos entre a irmandade.

“É preferível escrever um impropério do que dizê-lo”

O livro “Penas…da minha pena” do Dr. Flores Santos Leite foi o ponto de partida que nos levou a participar numa das tertúlias de “O ocaso no esplendor”, da semana passada, no Colmeia. Entre os milhares de poemas do autor que se descreve como um “candidato a poeta” na entrevista que deu ao labor, os “irmãos” Francisco e Emídio ajudaram o “irmão” Flores a escolher os cerca de 150 publicados neste livro.  “O parto deste livro tem o cirurgião, o instrumentista e o assistente. A tertúlia dispensa o anestesista. O paciente tem de sofrer e de saber o que é o sofrimento”, disse o Dr. Flores, começando a divagar sobre o facto de estarmos sentados “num canto e numa esquina. Num canto onde vemos as pessoas e o café e numa esquina onde vemos o mundo todo. Andamos de canto e esquina. Aqui construímos ideias e fora encontramos motivos de inspiração”.

De volta ao seu livro, “eles são o meu júri de apreciação”, revelou o Dr. Flores. “A gente vê as coisas pelo prisma que tem várias faces” e “os dois ´irmãos´ entenderam que havia algum valor naquilo (poemas escritos por si) e descobriram mais do que aquilo que eu tinha descoberto”, continuou o “irmão” que não tinha intenção de publicar um dia um livro. “A gente escreve por escrever, é uma espécie de desabafo para deitar cá para fora o que temos no cérebro se não fica pirada. A pessoa tem momentos de angústia e raiva e ao escrever é uma espécie de desabafo com o qual passamos a sentir mais tranquilidade e calma na nossa vida. É preferível escrever um impropério do que dizê-lo”, considerou o Dr. Flores ao labor.

“Respeitamo-nos uns aos outros e conseguimos concordar na discordância”

Os temas de conversa oscilaram entre as revoluções (digitais, da agricultura, entre outras), a religião, os planetas, a terra, o homem e muito mais. Independentemente das convicções de cada um, umas vezes convergentes, outras tantas divergentes, “respeitamo-nos uns aos outros e conseguimos concordar na discordância. Qualquer ideia ou conceito é virado do avesso à maneira pessoana”, esclareceu o Dr. Flores. “Nunca há uma contradição, mas uma dúvida”, complementou o “irmão” Emídio.

Entre os projetos que este trio gostava de levar a cabo estão palestras, comunicações e a participação como um dos grupos de declamação na Peregrinação Poética.

E por falar em comunicação, os novos meios de comunicação levam a que, uma vez mais, os três entrem em concordância na discordância.

“A digitalização massiva é a grande ameaça que pesa sobre nós. Não tenho telemóvel, computador nem quero ter”, clarificou o Dr. Flores, para quem “o telemóvel é um violador da nossa privacidade. Hoje ninguém vive sem telemóvel. Eu sou um sobrevivente. O diálogo desapareceu. O telemóvel é um mito real”. “Não é bem a minha opinião”, esclareceu o “irmão” Emídio que dos três é o único que tem telemóvel e usa o computador, restando o “irmão” Francisco que apenas usa o telemóvel.

Por fim, “se estivéssemos aqui todo o dia não acabávamos a conversa”, disse o Dr. Flores que depois de chegar à mesa um bolo de arroz e uma meia de leite para o “irmão” Francisco não resiste em lançar mais um tema de conversa para a mesa. “Está escaldada a fome, pode estar escaldada a vida”, afirmou o “irmão” Flores. “O que é a morte? O sopro da alma do corpo. O homem precisa da ligação da matéria ao espírito”, responde o “irmão” Francisco, questionando “onde está a alma? A nossa alma é muito grande”. E assim continua mais uma conversa sobre a vida e a morte.

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