O doutor que também é poeta lança o seu primeiro livro “Penas…da minha pena” com cerca de 150 poemas, dos milhares que tem escrito ao longo da sua vida, no dia 11 de janeiro, pelas 18h30, nos Paços da Cultura

“O homem é melhor a inventar do que a gerir o produto da sua invenção”

Que penas são essas da sua pena?

Nunca ninguém me magoou entre aspas, magoar no sentido físico ou intelectual. Os versos têm mais o sentido de crónica rimada de factos ocorridos e que estão a ocorrer no mundo inteiro sobretudo relacionado com a fome, migrações, guerras, inteligência artificial, a procura de outras alternativas de vida por parte da humanidade no espaço – procura de exoplanetas como alternativa a residência fora da terra, não sabemos qual o futuro da terra. Até ao ano 2050 preveem-se grandes cataclismos, é o que diz a ciência, apocalipses, holocaustos, não sabemos nos próximos 100 anos o que vai ser das pessoas da terra, por exemplo, através do aquecimento global que os homens não estão a tomar isto muito a sério. Decidem, discutem, mas as soluções práticas não são depois aplicadas no terreno. Há um certo antagonismo entre aquilo que se pensa e aquilo que se executa. Não se cumprem as diretrizes de proteção do planeta e os principais culpados são os grandes países e industriais. É o que diz o professor Yuval Harari: “o homem é melhor a inventar do que a gerir o produto da sua invenção”.

“O livro não é muito claro, explícito, mas a mensagem está lá, às vezes mais do que uma”

O que abordam os cerca de 150 poemas?

Os poemas são dedicados à humanidade, à família, ao voluntariado, ao museu, ao “pirilau”, à praça, ao ferro forjado, e também focam a realidade do ao redor. O livro não é muito claro, explícito, mas a mensagem está lá, às vezes mais do que uma. Há pessoas que entendem, mas há casos em que tenho de explicar aos meus próprios amigos que depois reconhecem que a mensagem é simples. A gente burila, faz bailar as palavras, faz uns trocadilhos para dar um certo suspense e no fim vem sempre a mensagem. Normalmente acaba sempre com interrogações e dúvidas.

O livro é publicado devido ao impulso dado pelos seus “irmãos tertulianos”?

Eu não queria publicar. Eu estou como dizia o Fernando Pessoa: – “Vale a pena publicar?”.

Os meus “irmãos” disseram: – “Sim senhora vamos publicar”, mas eu disse que eles é que ficavam responsáveis. (risos). As pessoas lançam o livro e quem o lê gosta ou não gosta, entende ou não entende.

“Procuro ser o mais simples possível. Só que às vezes complico a simplicidade”

O seu livro destaca-se logo pela capa que tem apenas o título e o nome do autor sem imagem. Uma capa simples e límpida…

É como o autor, eu também procuro ser o mais simples possível. Só que às vezes complico a simplicidade. A simplicidade também pode ser complicada.

Quantos poemas escreveu ao longo da sua vida e que estão por publicar?

Ui…milhares deles. Eu continuo a escrever sempre…

O Dr. Flores vai publicá-los?

O futuro o dirá e a irmandade também terá uma palavra a dizer.

“Muitas vezes acordo de madrugada e tenho de escrever”

Desde quando escreve?

Desde sempre. Já em pequeno, aos 10 anos, escrevia para o jornal da escola. Eu tinha a mania das charadas, das palavras cruzadas, das palavras encobertas…em pequenito já tinha esse gosto. Continuei a fazê-lo em Coimbra…muitas vezes acordo de madrugada e tenho de escrever. É quando tenho a cabeça mais límpida…

Continua a dar consultas?

Sim. Estou sempre mais ou menos à volta de cinco a seis horas por dia no consultório. Depois saio para a minha caminhada de cinco quilómetros pela cidade. Não gosto de ir para o parque porque é um bocado húmido e as pessoas podem interromper-me. Gosto de andar à vontade e às vezes lá vou imaginar um poema qualquer. Começo a olhar para a árvore que deixou cair a folha, a folha não sabe o sítio onde vai cair, hesita onde cair entre ali e acolá…

São muitos?

Não, sabe que não é como antigamente. Agora a medicina é mais assistida, mas todos os dias tenho doentes antigos e até doentes novos que vêm de outros sítios, correram outros médicos e vêm ouvir a minha opinião.

“Praticar o otimismo através do humor de uma maneira em geral”

Qual é o segredo para chegar à sua idade a continuar a trabalhar, praticar exercício e fazer o que gosta?

Praticar o otimismo através do humor de uma maneira em geral e tenho bons companheiros nisso e sou um bom companheiro também. E uma das coisas que procuro é enriquecer a cabeça com isso. Quando uma pessoa é otimista, se souber traduzir um não por um sim, qualquer não pode ser traduzido num sim através do humor. O que é trágico na nossa existência e na dos outros é as pessoas não saberem encarar os momentos maus. Há momentos maus em que podemos distrair-nos deles ao contorná-los de várias maneiras.

O seu jardim ajuda a contornar os momentos menos bons?

Tenho uma quintarola onde me entretenho nas horas vagas, podo árvores, corto relva, plano, semeio, colho. Ainda hoje fiz isso…

“Faço aquilo que gosto e não aquilo que os outros gostariam que eu fizesse”

“Fosse eu um qualquer poeta ficaria eternizado”, termina assim o seu poema “Mais um passeio matinal na minha cidade”. Não se considera um poeta?

Sou um candidato a poeta. Tento ser, mas envergonho-me ao ler outros poetas e ao querer competir com eles. Sinto mesmo em mim que não tenho valor nenhum de poeta, mas faço aquilo que gosto e não aquilo que os outros gostariam que eu fizesse. Tenho a sensação do dever cumprido. Posso não ter feito grande coisa, mas tenho a satisfação de dever cumprido de ter feito alguma coisa. Podia ter feito muito mais, mas nem sempre as circunstâncias o permitem.

“Entre a morte e a vida a gente entretém-se”

Qual o seu objetivo em relação à humanidade?

O meu maior objetivo era que as pessoas fossem mais humanas. Fazer o melhor que podemos sem olhar a protagonismos. Servir sem ser servidos. O futuro da humanidade ou a terra explode ou uma guerra nuclear será iniciada ou pelos ocidentais, pelo Islão ou chineses. Entretanto, a gente vai-se entretendo, se amando, odiando, comendo, bebendo…é o que a gente faz, entreter-se, entre a morte e a vida a gente entretém-se.

Flores Santos Leite

Ou Dr. Flores, como é mais conhecido, nasceu há 92 anos no lugar da Quintã em S. João da Madeira.

Entrou em Medicina na Universidade do Porto corria o ano de 1945, mas mudou-se no segundo ano para Coimbra onde concluiu o curso com mérito e excelência em 1950.

Enquanto estudante jogou futebol, basquetebol, andebol, fez ginástica olímpica e integrou a Associação Democrática de Estudantes de Medicina de Coimbra. O estudante já doutor jogou basquetebol na terra natal, criou uma equipa de voleibol do BES e treinou-a. Após o curso, esteve na tropa 18 meses tendo aproveitado para fazer estágios e tirar outros cursos. A primeira especialidade foi Medicina Geral, depois desportiva nacional e internacional, sanitária, forense e do trabalho. O Dr. Flores é um dos fundadores do movimento rotário na sua terra, esteve ligado à Associação Cultural e Recreativa Pró-Arte, à Associação Internacional Amigos de Ferreira de Castro, ao Clube Labor e ao movimento de combate à droga pelo “Patriache”. O terceiro e, agora único, consultório está aberto desde 1951 no Largo de Santo António em S. João da Madeira.

Na última entrevista do Dr. Flores ao labor, considerava-se um “bom apresentador de almas” porque “tudo que sei é transmitido pelos outros. O conversar, o olhar, o pensamento. Gosto mais do outro do que de mim”. Dois anos depois voltamos a conversar com ele sobre o seu primeiro livro publicado “Penas…da minha pena”, onde apresenta os seus estados de alma e dos outros, que vai ser apresentado no dia 11 de janeiro, pelas 18h30, nos Paços da Cultura.

Os grandes impulsionadores da publicação de alguns dos milhares de poemas escritos pelo Dr. Flores são os seus “irmãos tertulianos” Dr. Francisco Costa e Emídio Costa da tertúlia “O ocaso no seu esplendor” com quem reúne todos os dias, pelas 11h00, no café Colmeia. Entre os temas de conversa deles está sempre a poesia porque “a poesia é uma música que tenho nos meus ouvidos”, confidenciou o Dr. Flores ao labor.

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