Um dos factos com que temos de lidar, difícil de contornar, é o de vivermos num mundo de contradições. Este, por um lado, nos alimenta de grandiosidade e superioridade e, por outro, nos exibe com descaramento a impossibilidade de lá chegar e o conformismo que se deve obter em ser como toda a gente, agora que a termo médio ocupa uma mancha enorme.
Todos os dias, por vezes horas a fio, somos confrontados com modelos, bem pode ser imitações, a que não se pode chegar, com situações de privilégio apresentadas como inspiradoras, com heróis, que, simultaneamente, se pretendem assumir como vulgares e comuns, mas que por qualquer circunstância extraordinária ou mesmo explícita passaram a desempenhar um papel central. No registo do privado, criamos as crianças, por regra, com mil cuidados, agasalhadas em climas protegidos e protetores, de todos os males.
Elaboramos sobre a infância e a ideia de infância, para lá de qualquer razoabilidade, como se fosse um tempo mágico, em que tudo é possível e vamos cedendo às birras e chantagens infantis, a que achamos graça ou com que as mesmas não nos apetece lidar, amparados num dizer que se tornou comum. Vão ter muito tempo para se sentir iludidos. Na presunção de que a idade de adulto será, seguramente, o tempo das contrariedades e de iludir expectativas, anexamos a infância a um departamento à parte e parecemos convencidos de que se pode educar fazendo tábua rasa do mundo e da realidade envolvente. Afinal queremos o quê? Vamos para onde? Presumimos que o mundo incline a ser difícil e o sucesso individual raro e ensinamos exigência, rigor a recusa necessária a gerir infelicidades e iludir as expectativas sucessivas, Ou, pelo contrário, acrescentamos que para os nossos haverá uma oportunidade feita à mesma medida a que, assim sendo, dá para contornar ou adiar o mais possível confrontos com realidades desagradáveis?
Ensinarmos a miudagem a acreditar que a vida não é o que a gente quer ou se pensa querer, que se tem que lutar pelo que se deseja, ou deixamos que a vida os ensine o que tiver de ser?
Aprendemos e ensinamos o que de melhor achamos para gerir o que ilude ou deixamos que se instale como parte integrante e sensível dos estilos de vida das próximas gerações?