Médico do Hospital de S. João da Madeira integrou missão humanitária levada a cabo na Guiné-Bissau
Quase que arriscaríamos a dizer que para os 12 profissionais de saúde que integraram a missão “Rumo à Guiné”estes terão sido os 15 dias mais intensos das suas vidas. Se não foram para todos, foram, pelo menos, para José Sousa.
O olhar emocionado deste enfermeiro do Serviço de Urgência (SU) do Hospital Infante D. Pedro (Aveiro), do Centro Hospitalar do Baixo Vouga (CHBV), aquando da conversa com o labor, não deixou margem para dúvidas quanto ao facto de aquela ter sido das experiências mais marcantes e inesquecíveis que viveu até hoje. Além dos olhos brilhantes, José Sousa também trazia umas pulseiras que alguém lhe deu enquanto esteve na República da Guiné-Bissau como “forma de agradecimento por aquilo que estávamos a fazer por aquele país” e que, pelo seu simbolismo, não quer tirar do pulso tão cedo.
De igual modo, José Manuel In-Uba não conseguiu esconder a emoção sempre que falava do assunto. Natural da Guiné-Bissau, formou-se em Medicina em Moscovo e, mais tarde, tirou a equivalência na Faculdade de Medicina do Porto. Já médico, trabalhou no Hospital de S. João (Porto), estando neste momento a exercer no SU da unidade hospitalar aveirense e ainda no do Hospital de S. João da Madeira (HSJM).
Foi no âmbito da missão “Rumo à Guiné”, que decorreu entre 23 de fevereiro e 10 de março, que exerceu pela primeira vez no seu país de origem. Mas, antes, José Manuel In-Uba já havia ido muitas vezes à Guiné-Bissau para acudir a pedidos de ajuda em áreas diversas como a saúde, a educação, etc.. Aliás, a pensar nos seus “irmãos” guineenses, sobretudo nas crianças, este médico do HSJM fundou a Fundação José Manuel In-Uba em outubro de 2017, a mesma fundação que há poucas semanas levou a cabo, em conjunto com a Associação Bisturi Humanitário (ABH), a missão “Rumo à Guiné”.
Médicos e enfermeiros ajudaram quem menos tem
“Há coisa de dois anos”, a morte do “Dr. Ernesto”, o único ortopedista da Guiné-Bissau, “deixou o país sem a especialidade de Ortopedia” e “muitas pessoas com fraturas não consolidadas há mais de dois anos à espera de uma cirurgia”.
Preocupado com esta situação, José Manuel In-Uba desafiou os colegas do CHBV a abraçarem uma missão humanitária, aos quais também se juntaram profissionais do Centro Hospitalar do Médio Ave (Hospital de Famalicão).
Ao todo, foram 12 os voluntários que aceitaram o desafio e “rumaram à Guiné”, nomeadamente quatro enfermeiros, dois ortopedistas, duas cirurgiãs, três anestesistas e um clínico geral. A maioria é do CHBV, onde está sedeada a ABH.
Esta ideia tem “mais de um ano”. Mas a Associação Bisturi Humanitário só surgiu em dezembro de 2018 e foi “por uma questão legal”. “Como íamos receber donativos, estes não podiam ser entregues a um particular”, conforme explicou José Sousa ao nosso jornal, acrescentando que a ABH pretende “levar ajuda humanitária e assistência médica, particularmente cuidados cirúrgicos, a quem mais necessita”. Mas não se limita a apoio médico.
E tanto é assim que, concluída esta primeira missão, a ABH já está a trabalhar no sentido de melhorar as condições das escolas de Mânsoa, aldeia de onde José Manuel In-Uba é natural. “Estamos a tentar angariar secretárias, mesas, cadeiras, quadros, material escolar, etc.”, adiantou José Sousa à nossa reportagem.
Missão custou “à volta de algumas dezenas de milhares de euros”
O relatório de atividades da missão “Rumo à Guiné” ainda está a ser feito. Por isso, José Sousa e José Manuel In-Uba só puderam avançar ao labor “dados provisórios, mas não longe da realidade”.
Contas feitas por alto, durante duas semanas, os profissionais de saúde oriundos de Portugal e a equipa do Hospital Nacional Simão Mendes (onde teve lugar a missão) realizaram cerca de 140 cirurgias (ortopedia e cirurgia geral). Um número que ajudou a diminuir a lista de espera e acabou por superar as expetativas dadas as condições de trabalho, longe de serem as ideais, que encontraram neste que é o principal hospital da Guiné-Bissau. Imagine-se que, a determinada altura, quando estavam a operar um paciente falhou a luz, obrigando a que o resto da operação fosse feito com recurso aos telemóveis dos médicos e enfermeiros para iluminar a sala.
Mas atenção que não só de cirurgias se fez esta “maratona de solidariedade”, que custou “algumas dezenas de milhares de euros” e que “teve o apoio do tecido empresarial da zona de Aveiro, S. João da Madeira, Albergaria-a-Velha, Estarreja, etc., grande e pequeno comércio, alguns municípios e também particulares”.
Graças à generosidade de muitos portugueses, em particular do distrito de Aveiro, a Associação Bisturi Humanitário e a Fundação José Manuel In-Uba encheram um contentor com todo o material cirúrgico necessário e uma enorme vontade de ajudar quem tão pouco tem. “Estamos a falar de conseguir levar praticamente um bloco operatório desmontado para um país em África”, sublinhou José Sousa.
Note-se que a missão “Rumo à Guiné” também permitiu a realização de “perto de 400 consultas, algumas centenas de pensos pós-operatórios e algumas visitas a doentes internados”. “É quase um recorde”, afirmou o enfermeiro, reconhecendo que depois deste desafio nunca mais será o mesmo.
“Aprendi a valorizar as condições que tenho aqui [em Portugal]. É que ainda não há muito tempo não tinha um lençol para pôr em cima da maca. Lá, as pessoas é que tem de levar de casa a roupa da cama e o material”, chamou à atenção.
“Recebemos mais do que demos”
José Sousa não duvida que “recebemos mais do que demos”. “Contrariamente a outras missões, que normalmente chegam lá e fazem o seu trabalho, o nosso objetivo era trabalhar integrados nas equipas do ‘Simão Mendes”, esclareceu, completando: “Só assim se transmite o conhecimento, se melhoram as práticas e se criam elos muito fortes com as pessoas de lá”.
Em seu entender, “está plantada a primeira semente”, tornando-se agora “muito mais fácil qualquer intervenção que queiramos fazer no ‘Simão Mendes’. Temos lá grandes amigos, pessoas que já estão à nossa espera”.
Tudo parece, pois, estar bem encaminhado “para uma próxima missão e, quem sabe, até levar mais uma ou duas especialidades”. “Poderá haver segunda missão ‘Rumo à Guiné’ ou outra com outro nome”, referiram José Sousa e José Manuel In-Uba, garantindo que seja qual for a missão o objetivo continuará a ser o mesmo: “Ajudar quem mais precisa!”.