“Não queria ser rico, mas gostava de ter uma vida mais desafogada e ser autónomo financeiramente”, revelou o idoso ao labor
Altino Sousa Oliveira tem 74 anos, é natural de Vila Chã de S. Roque e vive sozinho há uma década em S. João da Madeira.
O pai tirou-o da escola com apenas nove anos para aprender consigo a arte de sapateiro, arte essa que exerceu até aos seus 20 anos quando ingressou na tropa durante 42 meses, 12 em Portugal e 30 em Moçambique. Quando regressou da tropa, decidiu que iria abandonar a arte de sapateiro. Altino trabalhava durante o dia numa loja de eletrodomésticos e estudava à noite na Escola Industrial e Comercial de Oliveira de Azeméis. Quando trabalhava no Centro Vidreiro, conseguiu arranjar trabalho como viajante em duas empresas a percorrer o Alentejo. Este trabalho não apareceu por acaso, mas por vontade de Altino para que pudesse estar perto daquela que viria a ser “a mulher da sua vida” e com quem chegou a namorar. “Tive uma relação extraordinária com ela” até ao momento em que “nos incompatibilizámos os dois, mas eu gostava muito dela e acreditava que tudo havia de ser alterado, as coisas haviam de mudar, o que não veio a acontecer”, relembrou Altino ao labor.
Para esquecer esse amor, aceitou o trabalho na empresa inglesa de turismo itinerante P&O World Voyages. “Andei 30 anos a correr o mundo. Dei 22 vezes a volta ao mundo sempre na mesma empresa, mas em barcos de cruzeiro diferentes. Nesse aspeto sou um privilegiado”, contou. O trabalho começou por ser de lavar louça e chegou até coordenador da limpeza do navio. Quando sentiu que já não tinha capacidade para trabalhar a bordo deixou a vida mercante. Voltou às suas origens e depois de arrumar as ideias resolveu ir para a Austrália, onde esteve durante seis anos a trabalhar numa panificação. Pela vontade de Altino estaria até aos dias de hoje a viver na Austrália, mas não conseguiu devido a dificuldades que encontrou com o visto.
Apesar de ter tido um relacionamento enquanto esteve na Austrália, nunca mais voltou a encontrar ninguém nem a constituir família.
“Sim, em princípio não foi, mas agora é (uma opção estar sozinho)”, garantiu o idoso, continuando: “Sinto-me bem comigo. Quando tinha 30 anos dizia a rir a brincar que a solidão é a pátria dos fortes. Agora as coisas mudam de figura porque eu acredito que a vida mais bonita é um homem é um lado da vida, a mulher é o outro. Ambos se completam, mas reciprocamente com o diálogo, respeito e maleabilidade”.
Numa retrospetiva pela sua vida marcada pelo trabalho, Altino não está a viver com a qualidade que gostava de ter. “Não queria ser rico, mas gostava de ter uma vida mais desafogada e ser autónomo financeiramente”, revelou, comentando que o valor que recebe de reforma está aquém dos anos de trabalho devido a descontos que não foram devidamente efetuados e por ter pedido a reforma antecipadamente levou a uma penalização.
O dia a dia de Altino começa com a toma do pequeno-almoço, a higiene, arrumar a casa, almoçar e jantar na Santa Casa da Misericórdia, frequentar as aulas na Universidade Sénior, participar na tertúlia Fugas Poéticas e assistir a espetáculos de entrada gratuita sempre que tem possibilidade.
A nível de saúde “tenho sido um privilegiado” porque “não sei o que é uma enxaqueca nem estar doente até à data, mas tenho a consciência de que num instante também me apago”, admitiu o idoso ao labor.
“A cultura é tudo, o resto é nada”
Apesar de viver sozinho, Altino sente e sabe que tem a quem recorrer seja família ou à Universidade Sénior, onde é aluno há uma década.
Atualmente frequenta as aulas de saúde, cidadania, português/jornalismo, ciências do mar e poesia. “Não tenho mais porque sou um leitor compulsivo em casa, leio e escrevo muito”, contou o idoso, acrescentando que “seria muito mais infeliz sem a Universidade Sénior”.
“A cultura é tudo, o resto é nada. Os livros sempre foram a melhor companhia, são os meus filhos que não os tive de outra forma”, considerou Altino, terminando com a certeza de que “quero viver, gosto de viver e se for útil a dar o meu contributo numa circunstância qualquer, gosto e quero viver”.