Quem diria que depois de ganhar o Festival RTP da Canção a música interpretada por Paulo de Carvalho ia ser a primeira senha da Revolução de 74?
Tal como “Grândola, Vila Morena“, de José Afonso, “E Depois do Adeus” ficou para a história como uma das senhas do 25 de Abril de 1974.
Com letra de José Nizae música de José Calvário, foi escrita para ser interpretada por Paulo de Carvalhona 12.ª edição do Festival RTP da Cançãode 1974, da qual sairia vencedora. A mesma sorte acabou por não ter no Festival Eurovisão da Canção, a 6 de abril, quando representou Portugal em Brigthon (Inglaterra).
Na altura, estava-se longe de imaginar que, com a transmissão d’ “E Depois do Adeus” pelos Emissores Associados de Lisboa às 22h55 do dia 24 de abril, ia ser dada a ordem para as tropas se prepararem e estarem a postos. Embora o título pareça remeter para o “adeus” ao regime Salazarista, tratava-se de uma típica canção de amor dos anos 70, sem conteúdo político. E por isso não levantaria suspeitas, podendo a revolução ser cancelada se os líderes do Movimento das Forças Armadas (MFA) concluíssem que não havia condições efetivas para a sua realização.
Mais tarde, o efetivo sinal de saída dos quartéis seria a emissão, pela Rádio Renascença, da música de Zeca Afonso.
Paulo de Carvalho estava longe de imaginar que a “sua” música ficaria para a História

Na entrevista que deu ao labor no início do ano, referiu que “a música mais marcante [da sua carreira], por razões óbvias, será ‘E Depois do Adeus’”. Começamos por lhe perguntar porquê.
Tal como já tinha respondido: por razões óbvias. Porque foi a música que serviu como primeira senha do movimento dos capitães no 25 de Abril, mas, do meu repertório, será a música que eu gosto mais…
Quando a interpretou no Festival RTP da Canção e, depois, na Eurovisão, alguma vez imaginou que a mesma viria a ser uma senha da Revolução de 74?
Estava muito longe de pensar que poderia ficar para a história associada ao 25 de Abril desta forma.
Ouviu-a na rádio na noite de 24 de abril? Se sim, o que sentiu?
Não ouvi. Estava à porta do café “Vá Vá”, no carro de um amigo meu, que não tinha rádio. Só soube do que se estava a passar e da utilização da música no dia 25 por volta das 13h00.
Onde é que estava no 25 de abril?
Estava em Lisboa, sendo que a nossa vida nunca mais foi a mesma.
Passou por situações complicadas antes e/ou depois do 25 de abril? O facto de ser músico trouxe-lhe problemas? Conte-nos resumidamente como viveu esses tempos?
Antes do 25 de Abril, não. Nunca fui preso por fazer música. Depois, passei por situações que tiveram a ver com o período que se viveu. Quase todos nós começámos a aprender a liberdade.
Que tipo de relação tinha com o José Afonso? Eram próximos?
Não, não éramos próximos. Participámos no festival internacional do Rio de Janeiro, em 1972, onde privei mais com ele. O que se mantém desde esse tempo é a enorme admiração que tenho pela pessoa e pela sua obra.
Chegaram a falaram sobre o facto de serem os intérpretes das duas senhas da Revolução?
Não, quando nos encontrámos nunca falámos sobre isso.
Mas a sua participação no Festival RTP da Canção é anterior a 1974…
Sim. Surgiu por convite do Pedro Osório, em 1970. A música chamava-se “Corre Nina” (não confundir com a Nini dos Meus 15 Anos) e classificou-se em quarto lugar, sendo que eu, individualmente, ganhei o prémio de interpretação.
Nesse ano, a RTP não concorreu à Eurovisão.