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Em maio a Seleção Nacional de Artes Marciais Chinesas marcou presença no 5.º Campeonato Europeu de Kung Fu, de onde regressou com sete medalhas. Que balanço faz da presença da equipa nesta competição?

Augusto Pinto: Foi positiva na medida em que teve uma característica que nunca se tinha verificado em mais de uma década de federação, pois teve uma abertura significativa à participação dos clubes a nível nacional, contando com uma representação de 41 pessoas, a maior delegação de sempre.

Em termos desportivos, o facto de termos 27 atletas a participar criou um grande potencial no tradicional e os resultados alcançados foram muito importantes e significativos para nós. Demonstrou, no entanto, que neste momento, em determinadas disciplinas e vetores, ainda estamos no ano zero de competição internacional. Nitidamente a diferença de meios, de logística e de condições de treino cria um obstáculo significativo à obtenção de medalhas. Não quer dizer que não consigamos conduzir os atletas à mesma performance e capacidade de discutir resultados com os adversários russos, mas com uma política e rede de recursos diferentes.

Para além de presidente da FPAMC é também diretor técnico da Shaolin Si, que esteve representada na seleção com três elementos. Como descreve a prestação dos mesmos?

A participação do Alexander Ponzo, que foi campeão europeu, foi notável. É um atleta com praticamente 20 anos de casa e é também treinador, situação que lhe permite ter outra experiência e capacidade para, de alguma forma, compensar as deficiências que existem em termos logisticos e financeiros. Como treinador tem uma visão diferente sobre o modo como deve trabalhar um atleta e tem uma maior maturidade em relação aos outros dois elementos, que são relativamente novos, que lhe permite ultrapassar com alguma facilidade as exibições onde teve piores resultados. Basta dizer que a atleta de Portugal que conquistou duas medalhas de ouro, na primeira prestação ficou em último lugar. Mas é também treinadora e com alguma experiência e já não se deixa abalar por um insucesso.

E isso é algo que se verifica na modalidade devido à falta de condições quer logísticas quer financeiras?

As pessoas olham para as artes marciais, na sua globalidade, como uma modalidade que se pratica em qualquer lado. O futebol também pode ser praticado em qualquer lugar, basta colocar dois calhaus a fazer de baliza, mas ninguém joga à bola para competição a não ser num relvado com o mínimo de condições. E aqui estamos a falar de modalidades na vertente competitiva e não a prática de rua, que é o que hoje temos nas artes marciais chinesas, mesmo com a utilização das instalações municipais. Estamos a falar de competição e para isso é necessário treinar os atletas nas condições que vão encontrar nas provas e não temos isso em lado nenhum do país.

Não está, então, em causa a falta de material, mas de espaços próprios tipificados para a modalidade.

Não se trata de falta de material, mas de uma política de instalações desportivas a nível nacional. No que diz respeito às instalações desportivas, neste momento estão adaptadas para poucas modalidades. Os clássicos pavilhões são construídos para uso geral, com marcações para vários desportos e mais alguns, mas depois não abrangem uma série de modalidades que nem sequer se enquadram naquela tipologia que é utilizada há cerca de 60 anos.

E atribui a responsabilidade dessa lacuna ao governo ou à própria federação?

Ao governo. Já fui diretor técnico da federação e nessa altura trabalhei com o IPDJ (Instituto Português do Desporto e Juventude), que chegou a pedir um referencial daquilo que deveriam ser as instalações desportivas, com o que deveriam ter e como estar equipados os espaços de treino para as artes marciais chinesas.

A situação parece, no entanto, não se alterar. O que acha que é necessário fazer para começar a mudar essa realidade?

Politicamente é necessário agir, numa primeira fase, localmente. Os municípios deviam disciplinar o seu investimento na área desportiva. Deviam ser ecléticos, mas não o são. Basta contar o número de relvados espalhados pelo país. É preciso agir sobre os municípios para que o investimento desportivo exista em todas as modalidades.

E como diretor técnico de uma coletividade de S. João da Madeira, acha que o município local tem trabalhado para inverter essa realidade?

S. João da Madeira tem um conjunto de associações extremamente ativas em termos desportivos e que albergam várias modalidades. É preciso ter isso em consideração e penso que há essa abertura, mas em termos de instalações nada foi feito. Não podemos andar a montar e desmontar equipamentos sempre que se realizam provas. Ninguém desmonta um relvado no final do jogo. Fica mais barato construir um pavilhão que alberga várias modalidades dentro de uma determinada área do que um campo de futebol.

É essa realidade com que a Shaolin tem vivido ao longo dos seus 26 anos de existência?

Ao longo de todo este tempo pouco ou nada mudou.

As condições de treino estão, então, longe das ideais?

Ao nível nacional, ao longo dos últimos anos a federação não trabalhou muito bem nesse aspeto e penso que S. João da Madeira poderá ser um parceiro interessante não só para o trabalho das seleções, mas também para a formação de treinadores. Se para a componente prática a cidade está longe de ter os recursos adequados, para a formação teórica S. João da Madeira está muito bem equipada e com muitas alternativas. É precisamente essa falta de recursos que afeta a Shaolin Si, que funciona com base no improviso, e que tem dado bons resultados, mas não são consistentes. Não conseguimos motivar um atleta a fazer carreira quando trabalha sem condições. É possível levá-lo ao pico e alcançar bons resultados, mas ao nível internacional as prestações da coletividade não são consistentes porque não conseguimos manter o atleta.

A falta de condições, quer financeiras quer logísticas, não é então apenas uma realidade local?

Não. Não se pode conceder o estatuto de utilidade publica desportiva às federações e depois não se darem as condições financeiras para cumprirem com esse estatuto. A Federação Portuguesa de Artes Marciais Chinesas não tem, por exemplo, dinheiro para levar as seleções às competições.

Como é que contornam essa situação?

Estamos a falar de uma federação com medalhas num europeu e isso não tem uma reflexão equiparada no contrato programa. Só foi possível levar esta seleção ao Europeu, não pelo orçamento federativo, mas pelo apoio municipal a alguns atletas e o sacrifício dos vários elementos que estiveram na prova. Estamos a falar de ajudas àquilo que é a atividade de uma instituição de tutela nacional através do poder local. Eticamente isto é uma perversão. É o poder central que define que a federação tem utilidade publica desportiva e assina o contrato, mas não dá dinheiro para levar os atletas a provas lá fora.

Com três elementos na seleção, como é que a Shaolin Si geriu essa dificuldade da federação?

Temos restrições muito grandes, mas contámos com algum apoio municipal e, felizmente para a cidade, que um atleta da Shaolin Si alcançou um título europeu, que acaba por justificar o apoio recebido. Isto acaba por ser um investimento na instituição e no próprio município, porque as pessoas levam o nome de S. João da Madeira para fora. Mas, ainda assim, os atletas tiveram que suportar do próprio bolso parte dos custos, porque a associação não tem condições financeiras para o fazer.

Em abril deste ano tomou posse como presidente da Federação Portuguesa de Artes Marciais Chinesas. Qual o projeto federativo que tem para o mandato e qual o enquadramento das associações no mesmo?

A federação não pode servir apenas para a realização de campeonatos nacionais, deve ter também uma ação política. O que prometemos para este mandato, que definimos como intercalar, é que haveria uma política de proximidade entre a federação, as associações e municípios.

Qual a reflexão que faz das artes marciais chinesas ao longo destes 26 anos da Shaolin Si?

A Shaolin Si teve uma evolução natural. Em termos nacionais a evolução foi normal e, de alguma forma, criou resultados consistentes.

Em termos de praticantes tem oscilado. Tínhamos uma rede que deixamos de ter precisamente pelo investimento que era necessário nos espaços desportivos. A determinada altura optámos como regra caracterizar os espaços, para que estes tivessem equipamentos com condições para que os atletas pudessem treinar, mas era impossível fazer com todos os núcleos que tínhamos. Neste momento temos um espaço pequeno em S. João da Madeira, mas bem equipado e as coisas estão a correr bem. Conseguimos fazer uma coisa que nunca tínhamos feito que foi criar uma turma específica só para miúdos até aos 12 anos.

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