Como surge o interesse pela prática desportiva?
Surge logo desde miúdo. O pessoal costumava juntar-se em frente à minha casa, ao domingo de manhã, para jogar uma futebolada e eu, que tinha uma bola, andava no meio deles a pensar que jogava. Entretanto vou jogar futebol ao União de Coimbra, mas é no Olivais, que tem uma das melhores escolas de basquetebol do país, que começa toda esta aventura. Nessa altura, em Coimbra, nadávamos no verão e praticávamos basquetebol no inverno, pelo que, desde miúdo, que as duas modalidades cresceram comigo. Como para irmos à piscina tínhamos de pagar 25 tostões, que nessa altura era difícil de arranjar, tornámo-nos nadadores de competição e íamos treinar.
É natural do Bairro dos Olivais, em Coimbra, mas foi em S. João da Madeira que cresceu, chegando à cidade ainda jovem.
Vivi em Coimbra até aos 17 ou 18 anos, altura em que acabei o Curso Comercial. Depois vim para S. João da Madeira para jogar basquetebol na Sanjoanense e, como consequência, fui trabalhar para os Bulhosas.
Com 17 ou 18 anos, como foi a adaptação a uma cidade completamente nova?
Fui logo acarinhado. A sociedade sanjoanense acolheu-me muito bem, mas eu também era um jovem cheio de confiança e um atleta de eleição, com uma capacidade física enorme. Devem ter achado que trazia uma lufada de algo diferente e aos poucos fui construindo uma relação de grande proximidade com várias pessoas da cidade. Mas quando cheguei também tive o cuidado de conhecer a velha guarda do basquetebol da Sanjoanense e todos eles tinham uma estima enorme por mim.
“Levei a metodologia do basquetebol e adaptei-a ao trabalho com rodas”
Chegou a S. João da Madeira para jogar basquetebol. Nessa altura a natação já fazia parte da sua vida?
A modalidade ainda não existia em S. João da Madeira e só mais tarde surge um projeto para a construção de três tanques de aprendizagem: Um no Parque, outro na antiga Escola Industrial e outro no Parrinho. Entretanto, fui para África e quando cheguei apenas o do Parque tinha sido construído e era o falecido João Araújo, que tinha sido meu colega de carteira na Brotero, em Coimbra, que lá dava aulas.
É nessa altura que se inicia a sua ligação com a natação em S. João da Madeira?
Por volta dessa altura, como tinha alguma habilidade e sabia nadar, a Direção Geral dos Desportos convida-me para ministrar aulas. Fui então tirar um curso e em 1974 começo a trabalhar no tanque do Parque. Dava aulas de natação na escola do Parque até ao final da tarde e ao final do dia ia para o basquetebol. A natação acabou por ser o meu emprego, mas nunca me desliguei do basquetebol.
Ao longo da sua vida o basquetebol e a natação foram as suas modalidades de eleição, mas também esteve ligado a outras.
A determinada altura fui convidado para preparador físico dos infantis e juniores de hóquei em patins da Sanjoanense. Entretanto o treinador saiu e a direção convidou-me para assumir o cargo e eu vejo-me em mãos, não só com o treino físico dos atletas, mas também técnico, e ainda hoje não sei patinar. Levei a metodologia do basquetebol e adaptei-a ao trabalho com rodas, mas como se trata de uma modalidade que tem guarda-redes tive de me preparar e para isso descobri um livro com exercícios específicos para aquela posição. No hóquei em patins também estive no Académico da Feira, Escola Livre e Cucujães.
“O Campo de Férias está na génese da Associação Estamos Juntos, um nome que veio comigo de África”
Em S. João da Madeira esteve sempre ligado à atividade desportiva e foi responsável por vários projetos. O primeiro foi mesmo o campo de férias.
Pois foi. Quando um dia, em junho, vejo a miudagem, que nada e que joga basquetebol e que aparecia no Parque quando começavam os dias de sol, pergunto-lhes: Vocês querem ganhar dinheiro no mês de julho. Só têm que estar aqui das 8h30 às 13h00. Foi o início do campo de férias. Fiz um cartaz numa folha A4 a dizer 1.º Campo de Férias Estamos Juntos e que terminava com: Tanque Piscina Parque. Apareceram 57 pessoas e nessa altura deu 17 contos e 500 a cada um. Ainda não havia nada formalizado, era apenas o nome Estamos Juntos. Mas a coisa cresceu e passados dois ou três anos foi sugerida a criação de uma associação.
É a partir daí que surge a Associação Estamos Juntos, um projeto ao qual esteve ligado à sua fundação?
O Estamos Juntos nasce no Parque, com um grupo de miúdos que quis fazer o primeiro campo de férias, que tinha como espírito dar às crianças uma série de atividades que não tinham possibilidade de usufruir de outra forma. O Campo de Férias está na génese da Associação Estamos Juntos, um nome que veio comigo de África. Lá as pessoas, quando se cumprimentam fazem uma série de movimentos com as mãos ao mesmo tempo que dizem: estamos juntos. É um sentimento que vem de dentro.
Mas a AEJ não foi o único projeto em que esteve envolvido.
Não, também estive ligado ao Kágados, que têm uma história maravilhosa. Foi um movimento espontâneo, onde chegamos a ter 400 pessoas a correr ao domingo de manhã. Um dia estava no café e dei por mim a pensar que em S. João da Madeira ninguém corre, ninguém se mexe, e decidi fazer uma atividade desportiva ao domingo de manhã, no pavilhão da Sanjoanense, que há cerca de 40 anos estava vazio. Pedi ao Pedro Silva para colocar um artigo no jornal, a divulgar a iniciativa, e no primeiro domingo apareceram alguns amigos meus para jogar uma futebolada. Nas semanas seguintes cada participante trouxe outro e o número foi aumentando. Do pavilhão passámos para o parque e no final de cada sessão cada um contribuía com o valor que queria e o dinheiro era usado para comprar algum material e para pagar ao funcionário do parque. Num belo dia resolveram, à revelia da minha pessoa, oficializar o movimento, criando a associação Os Kágados e eu saí.
A É Bom Viver é outra associação à qual estive ligada à sua criação. Na piscina tinha as aulas com os meus “velhinhos” e a determinada altura o Lameiras disse-me para se organizar uma excursão e eu pedi-lhe para tratar disso. Assim foi. Fomos para a Senhora da Mó onde fizemos uma sardinhada e umas fêveras assadas e a determinada altura as pessoas sentaram-se numa escadaria que lá tem e pediram-me para fazer um discurso. Olhei para aquilo e perguntei-lhes se não era bom viver. “É pá então não é”, responderam. “Vai ser esse o nome da próxima associação que vamos criar”, disse-lhes. Logo depois, e de uma forma quase instantânea, a associação foi criada.
Chamo a tudo isto a minha trilogia. A AEJ, com desporto para as crianças, Os Kágados, com desporto para todos, e a É Bom Viver, para a terceira idade.
“A Ana Rodrigues foi o produto do nosso sonho, de acreditarmos, naquele tanque, que era possível chegar longe”
A sua vida foi feita ao lado do desporto, mas também esteve ligado a projetos de carater cultural.
Tentei mudar o panorama cultural de S. João da Madeira com o festival de artes Adeus ao Verão, que era um evento que se pretendia que perdurasse e que era para acontecer todos os meses de setembro. Era uma forma de assinalar o adeus ao verão e às férias com diversas iniciativas das mais variadas expressões artísticas. Mas mataram-nos. São capazes de gastar milhares de euros noutras coisas, mas para isto não tinham.
Ao longo de todos estes anos esteve ligado à formação de muitos atletas, mas foi Ana Rodrigues a que mais se destacou.
Na altura tínhamos um grupo de quatro garotas, que vinham à natação pelas escolas primárias, e lembro-me de ter dito ao meu irmão (Luís Margalho), que já estava ligado à competição, que era ali que estava o futuro dos Estamos Juntos. As quatro miúdas já faziam um trabalho excelente e demonstravam uma enorme entrega. Ao longo dos tempos tivemos uma série de garotas de sucesso, mas a Ana Rodrigues foi o produto do nosso sonho, de acreditarmos, naquele tanque, que era possível chegar longe. A Ana foi o exemplo máximo disso e devia ser um orgulho e motivação para todos os sanjoanenses. Cheguei a propor ao presidente para dar o nome da Ana Rodrigues à piscina municipal, enquanto ela está cá.
Como se sente por ter contribuído para todos esses sucessos desportivos?
Passou tudo com uma velocidade enorme, mas dá-me uma certa felicidade, mas mais ainda por as pessoas estarem felizes. Se da parte do município, na hora da saída, houve reconhecimento pela minha pessoa, que acho que até mereço, sem falsa modéstia, também penso que em determinadas alturas, se calhar, teria merecido outro tipo de tratamento.
“Durante muito tempo estive determinado para fazer tudo e de repente fiquei indisponível”
Chegou a S. João da Madeira para o basquetebol, mas foi na natação que fez carreira. Quanto tempo esteve em funções até decidir que era altura de se reformar?
Desde que cheguei a S. João da Madeira, em 1968, que estou dedicado ao município. Gosto muito da cidade e foi uma dedicação total. Mas, se calhar, existiram momentos em que a cidade não gostou tanto de mim.
Então qual foi o sentimento na hora da despedida?
Acho que, se calhar, ainda falta muita coisa para fazer. Durante muito tempo estive determinado para fazer tudo e de repente fiquei indisponível.
O que se passou?
Nós temos uma riqueza enorme que são as AEC’s (Atividades de Enriquecimento Curricular), com os jovens que vêm da sua formação académica e que não estão a ser devidamente aproveitados pelo município. Eles são uma força e há um ano atrás, atendendo à minha experiência e depois de tanto tempo, propus à câmara municipal avançar com um projeto, uma nova experiência, dirigida aos jovens e à atividade desportiva. Durante um ano colocávamos os miúdos das escolas primárias a praticar uma modalidade várias vezes por semana e no fim, se 50 ou 60 se mantivessem, poderiam optar pela via competitiva, alimentando, assim, os clubes. Se não funcionasse era um ano perdido em muitos que já foram desperdiçados e terminava-se com o projeto. As crianças continuavam a vir à piscina e dinamizava-se os pavilhões, que estão vazios durante o dia. Este era o meu sonho e a minha vontade de trabalhar e estava determinado a colaborar, nem que para isso perdesse 24 horas por dia. Mas quando me dizem que não e que iria continuar a dar “banho” às crianças perdi a minha criatividade e determinação. Depois da reunião na câmara municipal decidi avançar com os papeis da reforma porque não justificava continuar na piscina.
Sai com alguma mágoa?
Acho que não é mágoa. Saio extremamente bem com o atual presidente da Câmara Municipal e todos os outros que lá estiveram, e com todas as pessoas que passaram pelas piscinas municipais.
Agora o que se segue?
Continuo em Vale de Cambra com um projeto que comecei esta época, para dar treinos de basquetebol a miúdos de sub13. Estou a fazer uma coisa que gosto muito numa associação (ACR Vale de Cambra) que estimo bastante.
