Alguém disse que Manuel Cambra escolheu o dia de S. João, o dia com o nome da sua cidade, para sair definitivamente deste Reino. Mas não. O Senhor Cambra não escolheu. Foi a Vida que o deixou ir como deixa ir tantos e tantos a todo o momento. E como deixará ir os demais que por cá andam, sem olhar ao poder ou influência que a cada momento e a cada cargo julguem ter.
Tive com o Senhor Cambra uma relação de amizade que vem de muito antes da política e da (minha) idade adulta. O Senhor Cambra teve as mesmas origens humildes no lugar de onde vieram os meus Pais. E fazia sempre questão de mo lembrar com um sorriso de satisfação, principalmente pelo percurso que a Vida lhe tinha proporcionado, numa ascensão económica e social que era incapaz de imaginar quando regressava a casa a “segurar na bicicleta” que o meu Pai já tinha e ele ainda não.E essa relação aconteceu muito antes de nos cruzarmos, por um período limitado, na política local, pois tive o privilégio de pertencer à vereação da primeira câmara que liderou. A que, por ter sido a única com representantes dos quatro maiores partidos políticos de então – CDS, PSD, PS e PCP – terá sido, até hoje, a mais abrangente do ideário partidário. E um tempo de aprendizagem de uma sã convivência nas diferenças. Que não terá sido suficiente para evitar que o PSD de hoje tenha sido a única força política a manter, na assembleia municipal, um ensurdecedor silêncio sobre Manuel Cambra.
O Senhor Cambra já tinha sido presidente da Sanjoanense numa época áurea do clube, talvez a maior de sempre. A primeira divisão no futebol. O concretizar de um sonho da pequena vila que passou a cidade já com ele a Presidente da Câmara e depois de ter sido deputado da República. Num inesperado percurso político que lhe trouxe inveja e inimigos de estimação, alguns com um “ódio figadal”, como tantas vezes dizia. E tinham poder e influência suficientes para não lhe fazerem a vida fácil… Tudo porque o Senhor Cambra decidira, com o voto popular, “usurpar” o lugar que alguns influentes cidadãos pensavam ser seu para sempre ou dos que eles escolhessem para o ocupar. Como o tinham, aliás, escolhido para um interregno de poder que acabaria por se transformar em vários mandatos com os quais o Senhor Cambra os deixou para trás durante anos. No exercício desse poder transformou a urbanidade da cidade como talvez só tenha feito António Henriques. Com virtudes e defeitos, para melhor e para pior como é característica de quem faz. Deixou-nos vários equipamentos de referência para além das tão caricaturadas (primeiro) e replicadas (depois) rotundas, numa marca que a história julgará. Terá feito, em alguns casos, mais do que devia. Mas foi, goste-se ou não, um Presidente de Câmara que marcou S. João da Madeira.
Descanse em Paz, Senhor Cambra!