Em dia de casa cheia, para a inauguração de mais duas exposições, Jorge Sequeira pediu ainda mais público para o Centro de Arte Oliva
Passados cincos anos desde que foi inaugurado, o Centro de Arte Oliva (CAO) “atravessa um momento muito singular da sua vida”. Para o presidente da Câmara Municipal de S. João da Madeira, este “é um momento de grande projeção e afirmação”, que muito se deve “à generosidade das duas coleções” residentes.
Na inauguração de mais duas exposições naquela que, apesar da “tenra idade”, já é, em seu entender, “uma das instituições culturais mais importantes de Portugal”, Jorge Sequeira não poupou elogios à Coleção Norlinda e José Lima e à Coleção Treger/Saint Silvestre. Aliás, algumas das obras desta última e uma da primeira, de Paula Rego que foi gentilmente cedida pelo casal Norlinda e José Lima, compõem “Lusofolia: Beleza Insensata”, comissariada por António Saint Silvestre, que foi inaugurada no passado sábado e vai estar patente até 15 de março de 2020. A outra exposição é “R2/Fabrico Suspenso: Itinerários de Trabalho” de Lizá Ramalho e Artur Rebelo, com curadoria de Paula Pinto e Joaquim Moreno e que pode ser visitada também até ao mesmo dia.
Perante muito público, o autarca tratou de “defender a sua dama”, que é como quem diz o Centro de Arte Oliva, informando os visitantes que este, através da Coleção Norlinda e José Lima, está presente no Palacete de São Bento, residência oficial do primeiro-ministro, em Lisboa, até final do ano. Além disso, o Centro Cultural “La Casa Encendida”, em Madrid, acolhe até ao próximo dia 5 de janeiro a exposição “El Ojo Elétrico”, constituída por obras da coleção de arte bruta e singular Treger/Saint Silvestre.
“Em Lisboa, tivemos cinco mil visitantes. Aqui esperamos ter, pelo menos, 10 mil”
Na ocasião, Jorge Sequeira ainda salientou a presença de António Ponte, diretor regional de Cultura do Norte, encarando-a como “um sinal inequívoco que vamos ter apoio para as futuras exposições do Centro de Arte Oliva”. E pediu a todos para que “continuem a apoiar este projeto”. “Este projeto não existe sem público”, reforçou a ideia.
Já António Saint Silvestre, em seu nome e no de Richard Treger, começou por agradecer a S. João da Madeira “por nos ter dado este espaço maravilhoso [CAO] para mostrar a nossa coleção”. Uma coleção de arte bruta que, note-se, é “única na Península Ibérica e uma das coleções deste género mais importantes do mundo”, como referiu Jorge Sequeira, “conhecida a nível mundial”. Tanto que “emprestamos peças a Nova Iorque, Berlim, a toda a parte”, afirmou, por sua vez, o colecionador que ao longo de mais de 20 anos dirigiu com Richard Treger uma galeria dedicada à arte bruta, outsider e singular em Paris.
Segundo Saint Silvestre, “S. João da Madeira não tem a Torre dos Clérigos como o Porto nem os canais de Veneza, mas tem o Centro de Arte Oliva”. Este é, na sua opinião, “o ex-libris da cidade, é dos sanjoanenses, é vosso”.
Relativamente à “Lusofolia: Beleza Insensata”, da qual é o curador e que reúne obras de 23 autores de Portugal, Brasil e Angola das margens da arte bruta/outsider, espera ter em S. João da Madeira mais visitantes do que na capital. “Em Lisboa, tivemos cinco mil visitantes. Aqui esperamos ter, pelo menos, 10 mil”, referiu, dirigindo, depois, uma palavra de agradecimento a Norlinda e José Lima “por terem emprestado a obra de Paula Rego”. Recorde-se que esta exposição é uma versão mais alargada da que foi apresentada este ano no Museu Arpad Szenes Vieira da Silva, parceiro de produção.
Entre os cerca de 70 trabalhos de desenho, pintura e escultura estão obras dos portugueses Jaime Fernandes, Artur Moreira, C.V.M. (Carlos Victor Martins), José Ribeiro, Manuel Bonifácio, dos irmãos Manuel e Ana Carrondo, Rui Lourenço, Serafim Barbosa; e dos brasileiros Albino Braz, Camilo Raimundo, Evaristo Rodrigues, Jesuys Crystiano, José Teófilo Resende e Marilena Pelosi. Os trabalhos dos anónimos angolanos são apresentados em coletivo, oferecendo-nos uma visão de conjunto inédita da arte outsider oriunda destas geografias.
De “Lusofolia: Beleza Insensata”faz parte ainda a exibição do filme “Eternity has no door of Escape | Encounters with Outsider Art” sobre a história da arte bruta com referência à coleção existente no Centro de Arte Oliva, realizado em 2018, por Arthur Borgnis.
Primeira exposição nacional dedicada à produção independente dos R2
Múltiplos itinerários materiais e culturais convergem no trabalho gráfico dos R2, Lizá Ramalho e Artur Rebelo, que pode ser apreciado em formato de exposição pela primeira vez em Portugal no Centro de Arte Oliva. “R2/Fabrico Suspenso: Itinerários de Trabalho” suspende o fabrico para apresentar as interferências do arquivo, da paisagem, da transmissão, da matéria e da produção na invenção do seu projeto de comunicação visual.

A exposição é estruturada em cinco “laboratórios”: Arquivo, Paisagem, Transmissão, Matéria e Produção, onde se decompõem duas décadas de trabalho. Nestes cinco espaços descobrem-se processos de experimentação e de percurso, projetos artísticos, gráficos e visuais que têm vindo a ser desenvolvidos ao longo dos últimos anos, todos eles reveladores de uma obra que se cruza com outros campos artísticos como a escultura, a instalação e a arquitetura. No CAO encontram-se obras que foram criadas para exposições internacionais – como é o caso de Tempo, esculturas tipográficas para a exposição “Imaginary Menagerie” (Londres, 2011); Futuro, instalação tipográfica, para a “4th Typojanchi – International Typography Biennale” (Seoul, 2015); Avant-Après, instalação tipográfica para exposição individual, no âmbito da “Une Saison Graphique” (2018, Le Havre) -, mas também obras especificamente produzidas para esta exposição, para além de uma seleção do arquivo pessoal dos designers.
Lizá Ramalho e Artur Rebelo desenvolvem em co-autoria projetos gráficos com assinatura R2, desde 1995, sendo que o estúdio que criaram no Porto é especializado em identidade gráfica, design editorial e design ambiental para instituições culturais, museus e outros clientes, nacionais e internacionais. Aliás, a nova identidade/imagem do Centro de Arte Oliva é da sua autoria. Receberam, entre outros prémios, o Grande Prémio da Bienal de Brno (Brno Biennale Grand Prix, CZ), vários primeiros prémios da Sociedade Internacional de Designers Tipográficos (International Society of Typographic Designers, GB), distinções da Sociedade para o Design Gráfico Ambiental (Society for Environmental Graphic Design, US) e o prémio de ouro na Trienal Internacional de Cartazes (International Poster Triennial, Toyama, JP). Os seus projetos estão em coleções de diversos museus, como o Musée des Arts Decoratifs (Paris, França), o Heritage Museum (Hong Kong, China) ou o Museum für Gestaltung (Zurique, Suíça).
“É um espaço de S. João da Madeira, mas que também é do Norte e do resto do país”
“Visitante assíduo do Centro de Arte Oliva [CAO] desde a sua inauguração”, como o próprio disse ao labor, António Ponte tem “acompanhado toda a sua evolução e as várias exposições que aqui têm sido feitas”, em particular as da Coleção Treger/Saint Silvestre, “pela sua diferença”. “Temos visto neste espaço exposições de altíssima qualidade que reforçam do ponto de vista qualitativo aquilo que é a oferta cultural na região Norte”, afirmou o diretor regional de Cultura do Norte, acrescentando que o CAO “é um espaço de S. João da Madeira, mas que também é do Norte e do resto do país, porque a dimensão dos projetos culturais que aqui se vão desenvolvendo e acontecendo têm essa dimensão”.
Para a Direção Regional de Cultura do Norte, o Centro de Arte Oliva “é muito relevante pela forma como qualifica a oferta cultural e como possibilita nós entrarmos em circuitos nacionais e internacionais de arte contemporânea com projetos de qualidade e que se associam a uma rede de projetos culturais de arte contemporânea em toda a região Norte”. Na opinião do responsável, a instituição sanjoanense “pode também ser uma marca distintiva da região, que já o é pelo seu património cultural histórico e que pode ser também pelo seu património cultural contemporâneo”. “Estou convicto que também temos necessariamente de produzir património e são estes patrimónios contemporâneos que vamos legar para o futuro. É muito importante que as gerações daqui a 100, 200 ou 300 anos se confrontem com manifestações culturais da nossa geração”, defendeu António Ponte em declarações ao nosso jornal.
Quanto ao número de visitantes ainda estar aquém do ideal, o diretor regional referiu que tal se deve ao facto de o CAO estar “[localizado] fora da Grande Área Metropolitana do Porto, daquele núcleo mais central”. E disse ao labor que a “solução passará por uma mobilidade dos turistas pela região”, “por um sistema de mobilidade organizado”, para além de todo o esforço que o Município de S. João da Madeira está a fazer em termos de “comunicação e divulgação”.
“Há um novo site, uma nova forma de comunicação, e as exposições fora deste espaço [como as que estão patentes no Palacete de São Bento e na ‘La Casa Encendida’]são um veículo essencial para o dar a conhecer”, afirmou António Ponte, cuja presença ali, naquele sábado, representou “o reconhecimento que damos [Direção Regional de Cultura do Norte e Governo] a este projeto”.

Precisamente no dia em que se comemorava o 30º aniversário da queda do Muro de Berlim, uma das duas secçõesexistentes em Portugal, pelo menos que seja do conhecimento público,encontrava-se(e ainda se encontra) não muito longe do Centro de Arte Oliva, em frente ao Centro de Arte de S. João da Madeira na Oliva Creative Factory. O presidente da câmara, Jorge Sequeira, fez questão “de assinalar que entre nós, ali ao lado, temos um fragmento original do Muro, uma aquisição de Norlinda e José Lima, que está exposto temporariamente, do outro lado da rua, e de vos convidar a contactarem com esse importante pedaço da história da Europa”.
Mas quase arriscaríamos a dizer que a dita secção terá passado despercebida à maioria, o que, aliás, acontece no dia a dia. Desde julho de 2018, ou seja, há mais de um ano, que este “pedaço da história da Europa” se encontra no mesmo local, à espera de ser transferido para um outro, mais nobre.
“S. João da Madeira não tem a Torre dos Clérigos como o Porto, mas tem o Centro de Arte Oliva”
O Centro de Arte Oliva (CAO) dá-se ao luxo de “guardar”, como se de um tesouro se tratasse, a única coleção de arte bruta da Península Ibérica. Iniciada na década de 1980 por Richard Treger e António Saint Silvestre, a Coleção Treger/Saint Silvestre é constituída por cerca 1.500 obras de 350 artistas, refletindo a evolução de diferentes momentos históricos e ramificações das artes marginais aos circuitos do sistema artístico estabelecido, desde os clássicos da arte bruta à arte outsider e suas variantes. Encontrando-se em depósito de longo prazo desde 2014 no CAO, onde tem sido apresentada através de um programa contínuo de exposições temporárias, inclui uma grande variedade de técnicas e materiais, incluindo pintura, desenho, escultura, cerâmica, tapeçaria, fotografia, mecanismos elétricos, objetos recuperados e materiais atípicos como matérias orgânicas.
Mas a Coleção Treger/Saint Silvestre, distinguida em 2017 pela Associação Portuguesa de Museologia com o prémio“melhor coleção privada exposta ao público”, não se fica pelas quatro paredes – entenda-se pelo Centro de Arte Oliva. Segundo afirmou Saint Silvestre, em declarações exclusivas ao labor, “a nossa coleção é conhecida no mundo inteiro e temos emprestado peças aos museus de Nova Iorque, Paris, Berlim, Frankfurt, Viena de Áustria, Amsterdão e agora, neste momento, temos uma exposição em Madrid na prestigiosa ‘La Casa Encendida’ “. Já para não falar nas exposições que estiveram patentes no Museu Arpad Szenes Vieira Da Silva e também na Trienal de Lisboa. Ou seja, os projetos da Coleção Treger/Saint Silvestre e, por conseguinte, do Centro de Arte Oliva “não param de fluir”.
Em cinco anos, e “apesar da pouca publicidade em Portugal e da dificuldade de acesso”, S. João da Madeira, através do seu Centro de Arte Oliva, “tornou-se um polo atrativo no mundo da arte bruta internacional”, garantiu o colecionador ao nosso jornal, chamando à atenção para que “S. João da Madeira não tem a Torre dos Clérigos como o Porto, mas tem o Centro de Arte Oliva”, já visitado pelos diretores dos maiores museus de arte bruta do mundo e divulgado em publicações de renome mundial.
Para Saint Silvestre, o Centro de Arte Oliva “não é dos colecionadores”, mas, sim, dos sanjoanenses. “É um projeto para o futuro, é uma marca, será um selo, será o ex-libris desta cidade industrial, sem muita beleza arquitetónica e monumentos”, sublinhou.