Entrevista a Frederico Alves, supervisor e gestor de equipas no Millennium Stadium, em Cardiff, no País de Gales
O que te levou a deixar a tua cidade, o teu país?
Em 2015, com 19 anos de idade, fui à procura de novas oportunidades e experiências. Sair da minha zona de conforto foi essencial para crescer como profissional e indivíduo. Hoje sou independente, realizado e com a mente aberta para novos desafios.
Foste sozinho?
Sim, com uma mochila nas costas e destemido. Somos uma nação de heróis. Nasci pronto para esta aventura e muitas outras.
Onde estás a trabalhar?
Trabalho no Millennium Stadium que é o estádio desportivo na capital do País de Gales.
Há quanto tempo estás a trabalhar no estádio?
Neste novo cargo vão agora uns cinco meses muito intensos e produtivos.
Quais as tuas funções na empresa?
Quando temos jogos são os dias mais longos e dinâmicos. Faço a receção e a gestão das equipas de catering, merchandising e bares. O meu foco passa pela excelência do serviço ao cliente e apoio as minhas equipas com treino e confiança para superar as expectativas. Também faço o trabalho administrativo com revisões dos eventos sucedidos, registo a performance dos meus setores, interajo com os nossos clientes e analiso as melhores abordagens que fazem do próximo evento o mais fantástico e a mais envolvente experiência de sempre.
“Oportunidade surgiu graças às referências que construí quando trabalhava no Museu de História Natural em Londres”
Este é o primeiro emprego fora de Portugal?
A atual oportunidade que me foi confiada surgiu graças às referências que construí quando trabalhava no Museu de História Natural em Londres. Tive o privilégio de interagir com celebridades, cientistas, e de estudar os fenómenos do nosso Planeta e da Evolução Humana. Agora, os meus futuros passos estão no ramo do turismo e sustentabilidade.
Com que celebridades e cientistas interagiste no Museu?
A lista é longa.Para mim, onde há um novo dia, há uma nova aventura. Dos que se destacam: Dr. John Tweddle, cientista líder na preservação de espécies no Reino Unido; o fabuloso narrador da vida selvagem David Attenborough; a própria e única Angelina Jolie; o Brian May que é grande fã de Charles Darwin e adora Portugal; Arnold Schwarzenegger que me põe hoje no ginásio; Nick Grimshaw que apresenta a rádio na BBC; Tony Blair, político chave na resolução do Brexit; a Duquesa de Cambridge Kate Middleton, o futuro rei Prince George e a nossa estimada Rainha Elizabeth II que, com os seus 93 anos, tem mais pedalada do que eu.
“Hoje para qualquer emprego que vá sei como se arregaçam as mangas”
O teu primeiro trabalho no estrangeiro foi no museu?
Longe disso, comecei do zero. O primeiro trabalho foi a lavar pratos, milhões deles, no restaurante Sushisamba e esta foi uma das maiores aprendizagens que recebi porque, independentemente do cargo, hoje para qualquer emprego que vá sei como se arregaçam as mangas.
Como surgiu a oportunidade?
Numa agência que encontrei na internet, por isso obrigado Google. (risos). Também um mês a falar com os pratos foi o suficiente para me orientar. Ao longo do caminho, tive a sorte de fazer amigos e com as conversas a oportunidade de trabalhar num café independente, 42 Beans Coffee House, em Camden Town surgiu. Recebi o treino de barista profissional e num ano de muita dedicação tornei-me assistente do gerente. Uma vez que aprimorei as minhas competências de liderança, comecei a candidatar-me para outros empregos com desafios mais fortes. E é assim, basicamente, que recebo o telefonema do museu. Chorei imenso no dia que deixei este café. Se pudesse dividir-me em dois, este seria o momento. Aqui apercebo-me do que é ser adulto, quando há uma ação a tomar com consequências boas ou más, mas irreversíveis.
“Sou um ser muito dinâmico, qualquer coisa nova chama-me logo a atenção”
Qual a razão da mudança do museu para o estádio?
O museu em Londres já é a minha segunda casa. Sou um ser muito dinâmico, qualquer coisa nova chama-me logo a atenção. Também explorar o Reino Unido sempre esteve nos meus planos. Por isso, esta pareceu-me a ocasião perfeita para tal, foi só ter coragem de a agarrar.
De todas as experiências de trabalho que tiveste em quatro anos, qual a mais marcante?
Até agora o museu por ter sido o lugar capaz de me expandir em todos os âmbitos.
Conheces muita gente?
Conheço muita gente de muitas culturas, crenças e outros países. Ter vivido em Londres durante quatro anos abriu-me imenso a cabeça. Aprendi a aceitar as nossas diferenças culturais, a olhar os outros sem julgamentos e a apoiar com garras e dentes um mundo melhor, mais inclusivo e justo para todos nós. Tenho, sim, amigos portugueses no Reino Unido, a Língua Portuguesa no estrangeiro faz milagres, torna-nos muito próximos e as histórias que partilhamos dão-nos força para superar tudo.
Quais os pratos característicos?
Adoro Vegan Welsh Cakes. São como se fossem uns “biscoitinhos” de canela com amoras muito característicos daqui. A receita está na internet.
E as bebidas?
Aqui só mesmo o chá preto inglês ou o whiskey da Escócia.
“A ignorância deixa-nos confortáveis”
Pelo que acompanho no teu Facebook és vegetariano. Desde quando?
Fiz a ocasião oficial no dia do meu aniversário em 2018 que foi uma festa. Comer animais sempre me fez confusão. Contudo, a ignorância deixa-nos confortáveis e são muito poucos os que possuem conhecimento dos procedimentos barbáricos que a indústria da carne e do peixe tanto nos escondem. Chocou-me ao analisar os regulamentos e as práticas na produção do leite da vaca e dos ovos da galinha pela Europa fora. Sem hesitar procurei as alternativas e tornei-me vegano.
Qual a razão desta mudança?
É facto que dietas à base de plantas são as mais amigas do ambiente e para a saúde traz-nos imensas vantagens na prevenção de inúmeras doenças. Mas o foco deste movimento são os animais, seres conscientes, capazes de sentir alegria, medo, dor, têm as suas famílias, as suas personalidades e que, sem piedade, para prazer humano tratamo-los como produtos descartáveis do mínimo valor.
“Em 2012 a Serafim Leite foi a primeira escola pública do país a implementar uma refeição vegetariana”
Quanto tempo demorou a transição?
A transição foi bem ponderada, não por motivos biológicos, mas sim pelo confronto cultural. Lembro-me que em 2012 a Escola Serafim Leite foi a primeira escola pública do país a implementar uma refeição vegetariana. Na altura estávamos já muito à frente. Assim que me mudei para Londres, decidi explorar o tema a fundo e o resto é história.
Quais os teus pratos favoritos?
Falafel com hummus, prato típico de Israel, e a minha maior perdição que são os burritos mexicanos de jackfruit.
Cozinhas com facilidade?
Na cozinha gosto de ser eficiente e de me nutrir com receitas que me dão alegria, satisfação e saúde. Aprendi a cozinhar com tutoriais no YouTube. A minha mãe também me deu umas boas lições. Mas para aqueles que quiserem aprender as melhores receitas veganas vejam o canal do meu amigo Gaz Oakley. Encontram lá tudo, do mais básico ao avançado.
E comes com facilidade pratos vegetarianos em restaurantes?
Aqui no Reino Unido os restaurantes são fantasticamente atualizados com as alternativas vegetais. Neste país, para qualquer lado que vá, sei que vou encontrar uma solução porque os negócios mais resistentes a esta mudança são aqueles que têm os dias contados.
“A Terra é a nossa casa e é nosso dever moral a proteger”
Também podes ser considerado um ativista em prol do ambiente?
Parte-me o coração ao ver a destruição que é feita na Amazónia em troca de um crescimento económico efémero, corrupto e irrealista que ameaça a existência da nossa própria geração. Estas florestas absorvem dióxido de carbono, ajudam na reparação da camada de ozono e produzem o ar que respiramos. São também a casa da biodiversidade selvagem e de ecossistemas únicos nunca vistos em outros planetas. As comunidades indígenas que protegem estas terras estão a ser violentamente expulsas e precisam muito da nossa ajuda. A principal causa deste desflorestamento é a pecuária. Ficar no sofá a compactuar com o silêncio só piora a situação. A minha maior inspiração é a Greta Thunberg que com os seus 16 anos tem responsabilizado os nossos políticos para esta problemática global e tem liderado com o seu exemplo. Estamos a chegar a um ponto de não retorno em que as soluções têm de ser implementadas agora com emergência. É fundamental atualizar as nossas políticas, economia, estilos de vida e cultura. A Terra é a nossa casa e é nosso dever moral a proteger.
Como lida a tua família com o teu espírito aventureiro?
Sem dúvida que a minha família me ajuda imenso a manter-me forte. Lidar com as saudades é o desafio, mas eles sabem que lá em casa fui sempre incentivado a fazer-me à vida e assim o faço. Caso seja preciso ir viver para a Lua ou para Marte, acreditem ou não, eu vou.
“Dou graças por ter uma família moderna e feliz que alinha toda comigo”
E com as tuas escolhas alimentares e com a tua preocupação ambiental?
Ao início quando deixei de comer animais os meus tios pensavam que mais uma vez estava na brincadeira, até ao dia em que apareci de surpresa para o Natal e o meu pai, um querido, fez-me uns miminhos vegetarianos que deixou toda a família a salivar. Para mim foi uma alegria ao ver que nem os mais pequenos queriam saber do bacalhau cozido. Ao fim e ao cabo que peixe nos resta nos oceanos? Preocupo-me muito com a sustentabilidade do nosso planeta que depende intrinsecamente de mares saudáveis. Dou graças por ter uma família moderna e feliz que alinha toda comigo.
Quais as tradições?
Aqui no País de Gales eles são loucos por Rugby. Aos domingos as famílias gostam de passear na capital e de ler livros de Roald Dahl às crianças em galês.
Quais os locais emblemáticos?
Os castelos, são gigantes e lindos como o Castelo de Caerphilly e o de St. Fagans.
Como é o povo do local onde estás?
Estou maravilhado com os cidadãos de Cardiff. Há uma espécie de um fio invisível que nos conecta a todos e faz-nos responsáveis por tomarmos conta uns dos outros. Nada comparado com Londres, onde tudo é uma euforia e salve-se quem puder.
O que mais te surpreendeu?
As conversas na rua. No País de Gales estamos atentos ao outro e fala-se com o coração.
O que mais te custou a adaptar?
Partilhar casa. Há que ser prático.
Por enquanto não é possível viver sozinho?
Poderia, mas prefiro amealhar o máximo que consigo agora em nome de melhores investimentos futuros.
Há alguma expressão típica do local onde estás?
“Enquanto houver vida, haverá esperança” do professor britânico Stephen Hawking.
“Adoro lugares em que os rótulos e o preconceito ficam da porta para fora”
Que sítios costumas frequentar?
Bares gay com música da Britney Spears são fenomenais, recomendo. Também frequento lugares com espetáculos de Drag Queen como o Minskys Show Bar em Cardiff e a emblemática Heaven em Londres. Adoro lugares em que os rótulos e o preconceito ficam da porta para fora, onde há expressão de criatividade, surpresa e espaço para novos conceitos. Os musicais brilhantes da West End como O Fantasma da Ópera, Kinky Boots e O Príncipe do Egipto. Também gosto muito de viajar de comboio e de explorar capitais europeias.
Qual o balanço desta aventura pessoal e profissional?
Positivíssimo. A nível pessoal sou bem mais forte, profissionalmente tenho acesso a experiências únicas e em geral tenho expandido o meu conhecimento para ir sempre mais além. Conhecimento é poder.
Do que sentes mais falta?
Dos abraços e dos beijinhos.
De quem?
Dos meus professores. Faço dos meus professores o meu pilar, todos eles de uma forma ou de outra inspiraram-me nas aprendizagens diárias que tenho de lidar. Também tenho saudades dos beijinhos dos meus primos e das minhas avós que são uma ternura.
Do que é que sentirás falta, do local onde estás, se um dia fores para outro país ou regressares a Portugal?
Se um dia regressar a Portugal até vou chorar com a falta das salsichas veganas do Greggs. Nem imaginam a perdição.
Os teus planos passam por voltar a Portugal?
Eventualmente. Quem sabe?
Frederico Alves
Tem 23 anos, é natural de S. João da Madeira e é supervisor e gestor de equipas no Millennium Stadium (Estádio do Milénio), em Cardiff, no País de Gales.
O jovem sanjoanense frequentou a escola primária do Parrinho, a escola básica dos 2º e 3º ciclos e o curso de Comunicação: Marketing, Relações Públicas e Publicidade na Escola Dr. Serafim Leite e o Curso de Especialização Tecnológica de Produtos Multimédia na Academia de Design e Calçado em S. João da Madeira. Em 2015, com apenas 19 anos, Frederico Alves decidiu ir sozinho para o estrangeiro à procura de novas oportunidades. E apenas em quatro anos já conta com muitas experiências.