Todos nós, uns mais do que outros, tínhamos uma rotina traçada para cada dia da semana. De um momento para o outro ela mudou. Se isso não aconteceu quando foi declarado Estado de Alerta, de certeza que aconteceu com a declaração de Estado de Emergência e com as medidas tomadas pelo Governo.
O labor saiu à rua. Foi ao encontro de pessoas com estabelecimentos que podem estar abertos e de pessoas que tiveram de fechar aquele que é o seu único sustento.
Se muitas tinham um papel a explicar a razão pela qual tiveram de fechar, algumas não, mas verdade seja dita também não precisam. O motivo é sempre o mesmo, a Covid-19 ou o novo coronavírus, como que lhe queiramos chamar.
A rotina de Conceição Cabral mudou depois de ver decretado o encerramento dos cafés, que levou a que não pudesse abrir as portas do Café Bela Vista como costumava fazer de segunda-feira a sábado nos últimos oito anos.
“Não foi fácil fechar e voltar as costas ao sítio que é o meu sustento e da minha família”, mas “dentro do que é mau, estamos com saúde e isso serve de consolo”, começou por dizer, ficando sem conseguir falar durante algum tempo porque a emoção subiu, como se diz, “à flor da pele”, e a quem não subirá quando o dilema é a saúde – que é o mais importante e como se costuma dizer sem ela não se faz mais nada – contra o sustento porque verdade seja dita “as contas são sempre certas”.
Nestes primeiros dias “vai-se inventando trabalho dentro de casa e arranjando tempo para fazer aquilo que antes não tinha” para “esquecer um ´bocadinho´ estes dias que se avizinham difíceis” porque é “apavorante que as pessoas não possam trabalhar para cumprir com as suas obrigações”. Por enquanto, “vamos esperar que sejam apenas quinze dias” porque se for “um mês com as portas fechadas vai colocar as pessoas com a corda no pescoço”, considerou Conceição Cabral ao labor.
Já a rotina de Albino Moreira não mudou, pelo menos, no trabalho. Continua a zelar pela limpeza das ruas de S. João da Madeira. “Não, não tenho medo. Prefiro vir trabalhar do que estar em casa. A vida continua”, disse o funcionário camarário.
Venda de jornais caiu a pique para cafés, padarias e restaurantes
Mais à frente encontrámos Glória Rosa que é o “rosto” da Papelaria Lusíada há 14 anos e não hesita em dizer que “no meio do azar temos muita sorte por poder vir trabalhar e não ter de estar em casa”. “No sábado foi um dia bom, mas no geral o negócio está fraco”, admitiu a exploradora deste espaço que costumava entregar só de manhã jornais a mais de 15 pessoas e algumas delas compravam mais do que um jornal, mas com o fecho de cafés e restaurantes esse número caiu a pique.
Apesar de ser um dos estabelecimentos que pode estar aberto, Glória Rosa reduziu o horário e só está aberta da parte da manhã porque “não valia a pena estar aqui à tarde”.
O cenário dos próximos dias vai ser “mau com o pico da doença, mas sou otimista e vamos ultrapassar isto”, acredita.
A Agência de Jornais Ferreira também reduziu o horário e fecha as portas às 18h00, mas está lá dentro sempre alguém para responder aos pedidos dos clientes. Neste espaço, o efeito da Covid-19 também está a refletir-se nas vendas de jornais. “A redução das vendas para cafés e restaurantes passou os 95%”, revelou Fernando Ferreira ao nosso jornal, assumindo que também sentiu que “as vendas reduziram ao domicílio”.
Ao longo da manhã de segunda-feira, a Tabacaria Glória sentiu que estavam a aparecer “menos pessoas”, mas tendo em conta a situação que estamos a viver é “normal”.
Por estes dias “o que tem sido mais procurado é o tabaco” muito provavelmente fruto da restrição de acesso a máquinas de venda automática deste produto em cafés, padarias e restaurantes. Já o produto que sofreu “um abaixamento muito grande foram os jogos Santa Casa. Como não há jogos, não há Placard”, constatou Alfredo Ferreira em nome da Tabacaria Glória ao labor.
Em todos estes locais, na generalidade, as pessoas têm respeitado as normas de segurança no que toca à lotação de pessoas e à distância de segurança entre elas.
Quebras de faturação brutais nos comércios de rua
À semelhança dos comerciantes anteriores, Mário Marques, proprietário da Casa Hermar – Loja de Animais, tem sentido “muito menos afluência” na loja, mas as entregas ao domicílio têm “aumentado”.
Em relação às medidas adotadas a nível local e nacional, não tem dúvidas de que são “acertadas” porque, como diz o povo, “mais vale prevenir do que remediar”.
Já a loja Local Mais Eletrodomésticos só está aberta porque “prestamos assistência técnica”, disse o dono José Costa ao labor.
O número de pessoas que passa pela loja só diminuiu desde quarta-feira passada que por coincidência ou não coincide com o dia em que foi declarado Estado de Emergência. “Acho que não é só o medo. É o não querer vir à rua, obedecer ao isolamento e só comprar o que é necessário”, acredita José Costa com a certeza de que tudo isto vai “afetar o negócio”. “Se o número de casos aumentar exponencialmente vou fechar” ao público, admitiu o dono da Loja Mais Eletrodomésticos ao nosso jornal.
Mais abaixo, entrámos na Padaria do Souto que completou 80 anos em 2019 e é a mais antiga da sua espécie em S. João da Madeira, tal como fez questão de mencionar o proprietário João Costa ao labor.
“O que me preocupa é o impacto económico” a partir do momento em que deixaram de fornecer pão para 23 escolas de S. João da Madeira e concelhos limítrofes, cafés e restaurantes. Neste momento, só vendem pão, bolos e café em copo de plástico aos clientes desde que os consumam no exterior.
E o exercício da atividade limitada vai levar a que o impacto económico seja brutal. “Temos faturado 150 a 230 euros por dia”, o que a continuar assim dará uma média de 7.130 euros mensais e que fica muito aquém dos valores faturados anteriomente que andavam na ordem dos “40 a 45 mil euros por mês”, assumiu João Costa, comentando, em jeito de desabafo, que tem 19 funcionários a quem tem de pagar pelo seu trabalho e uma quebra de faturação que ultrapassa os 80%.
Com o mesmo desânimo encontrámos o taxista Alcino Pereira que disse estar a ter “uma quebra de 80% ou mais no seu rendimento”. Desde muito cedo que chegou à Praça de Táxis e até por volta das 10h30 de segunda-feira, altura em que conversámos com ele, ainda não tinha saído de lá. “Num dia normal já tinha feito seis ou sete serviços e num dia normal faturo entre 100 a 150 euros”, contou o taxista. Tudo isto que estamos a viver é “uma tragédia. O país está praticamente parado. Nunca vi tal em 68 anos de vida”, confessou Alcino Pereira. “Isto está a bater no fundo”, “estamos aqui por estar” e “é para esquecer”, concluiu o taxista, olhando em redor e considerando que “a nível comercial isto está morto”.
No pós-Covid-19, “todos vamos passar por dificuldades”
Já a Óptica Quinta realizou uma quarentena voluntária de 16 a 22 de março por uma questão de “bom senso” e de “segurança dos colaboradores e dos clientes”, afirmou Wilson Quinta sobre esta decisão que também serviu para “ganhar tempo até indicações do Governo” que, a seu ver, “tardou a se pronunciar”.
Desde o dia 23 que estão a fazer atendimento à porta fechada e aconselham as pessoas a fazer uma marcação prévia para que não tenham de esperar.
Quando esteve de quarentena Wilson Quinta ficou “mesmo em casa”, mas isso não significa que esteve “de férias” porque “continuamos a trabalhar e a projetar o que vai ser o pós-covid”. Um desses trabalhos foi a realização de um vídeo a sensibilizar as pessoas para a mensagem que tem passado vezes sem conta “#fique em casa” em que “mostramos a cidade vazia que é como ela e o restante país deviam estar”. Também “reforçamos a comunicação online para facilitar as vendas online por forma a evitar aos clientes deslocações desnecessárias à loja”, deu a conhecer Wilson Quinta ao labor.
No pós-covid, “todos vamos passar por dificuldades”, “todos vamos perder poder de compra”, mas “confiamos na Câmara Municipal de S. João da Madeira para ter medidas internas, a adicionar às anunciadas pelo Governo, a implementar nas empresas e famílias presentes na cidade a ultrapassar algo que apenas era possível nos filmes até há três semanas atrás”, concluiu Wilson Quinta ao labor.