Andrea Silva e o marido são enfermeiros no Hospital de S. Sebastião em Santa Maria da Feira. Ela nos Cuidados Intensivos. Ele no Bloco Operatório. Têm dois filhos. Um rapaz com 10 e uma rapariga com 15 anos.
Desde que a pandemia Covid-19 atingiu a região Norte, em particular, e o país, em geral, estes profissionais de saúde perceberam os riscos a que estariam sujeitos no dia a dia.
“A primeira grande decisão foi a de nos mantermos ambos a trabalhar”, contou Andrea Silva, confessando que esta “não foi uma decisão fácil, mas cientes dos riscos envolvidos, não podíamos deixar de dar o nosso contributo nesta luta”. “A partir desse momento, a nossa maior preocupação foi a de cuidar dos nossos filhos com o mínimo de risco possível”, tendo como aliado o facto deles conviverem “com a realidade de ter pais por turnos, que contactam com diversas doenças, desde que nasceram” e, por isso, saberem “desde sempre os cuidados que devem ter na prevenção do contágio”.
Para este casal, não era viável deixar os filhos com os avós por estarem incluídos num grupo de risco, mas também estava fora de questão deixarem de acompanhá-los. Então, tiveram de tomar uma outra decisão. “Com o apoio das chefias, organizámos o nosso horário de modo a nunca trabalharmos ao mesmo tempo para que (os filhos) estejam sempre acompanhados”. O que os levou a um ritual de higiene e segurança que começa antes de saírem do hospital, onde tomam banho e medem a temperatura, e continua até chegarem a casa. “Quando chegamos a casa, eles já sabem que não podem vir ter connosco e têm de ficar na sala. O calçado fica lá fora, a roupa é trocada e as mãos e a cara lavadas novamente”, deu a conhecer a enfermeira, assumindo que “existe receio”, mas “não posso deixar que ele me domine. A minha sanidade vem de saber que enfermagem foi a carreira que sempre quis seguir e que o apoio da minha família é incondicional”. Um outra decisão consciente, mas não menos difícil foi o afastamento físico da restante família. “Dói. Não há outra maneira de o dizer. Falamos várias vezes ao telefone, mas nunca é o mesmo. Sinto, no entanto, muita necessidade de lhes transmitir a minha presença e a noção de que se precisarem de algo arranjamos forma de os ajudar”.
Toda a dinâmica familiar deste casal é passada em S. João da Madeira, exceto o local de trabalho, e a sua rotina, à semelhança de tantos outros casais, ficou reduzida ao trabalho e à casa com saídas pontuais para fazer as “compras do mês” e atestar o depósito do carro. Andrea Silva está confiante de que “isto vai passar”, mas enquanto não passa, saúda “a solidariedade e a responsabilidade” que observa “em todos os sanjoanenses, feirenses e portugueses em geral”.
“Obriga a uma constante autoavaliação das nossas necessidades básicas como comer ou ir à casa de banho num turno de seis ou 12 horas”
O impacto da Covid-19 no local de trabalho desta enfermeira foi “total”. Só para termos uma noção, “toda a unidade foi reestruturada quer a nível físico, de equipamentos (ventiladores, máquinas de perfusão, equipamentos de proteção individuais, postos de medicação, entre outros) e de recursos humanos para se adaptar a esta realidade”. O Hospital de S. Sebastião teve de “criar circuitos de entrada e saída para doentes, profissionais, consumíveis, roupa, cozinha, resíduos que limitassem ao máximo o contacto com outros espaços” de forma a que seja possível cumprir o objetivo de “promover a segurança dos doentes, profissionais de saúde e, acima de tudo, confinar a presença do vírus a uma área restrita”, explicou Andrea Silva ao labor.
Entre os vestiários e a entrada na Unidade de Cuidados Intensivos foi criada uma barreira, onde os profissionais de saúde têm diariamente de se equipar com máscara, touca, óculos de proteção ou viseira, protetor de calçado e pernas, bata impermeável e um par de luvas.
A estes equipamentos de proteção individual, estes profissionais têm de acrescentar um avental, manguitos e um segundo par de luvas cada vez que se dirigem a um doente específico. “Entre intervenções, o avental, os manguitos e as luvas são trocados e procedemos à desinfeção”, esclareceu a enfermeira, assumindo, como é do conhecimento geral, que “a racionalização de material é imprescindivel para evitar o colapso do nosso Serviço Nacional de Saúde, o que nos sensibiliza a manter esse equipamento o máximo de tempo possível”.
Sendo também este “um facto que nos obriga a uma constante autoavaliação das nossas necessidades básicas como comer ou ir à casa de banho num turno de seis ou 12 horas”, admitiu Andrea Silva, confidenciando que na “maior parte das vezes optamos por não beber muitos líquidos antes do início do turno e comer antes de ir trabalhar para conseguirmos ir comer e ir à casa de banho só no fim do turno”.
“S. Sebastião” criou segunda Unidade de Cuidados Intensivos para doentes Covid-19
As Unidades de Cuidados Intensivos destinam-se a doentes críticos que necessitam de suporte das funções vitais.
No caso dos doentes Covid-19, “para além do suporte ventilatório, todas as outras funções como a alternância de decúbitos (posicionar a pessoa), função renal, administração de medicação e alimentação, cuidados de higiene, entre outras, têm de ser asseguradas por nós”. Outro impacto provocado pelo novo coronavírus no Hospital de S. Sebastião está relacionado com a capacidade de camas. “Como o número de doentes com Covid-19 excede a capacidade da nossa unidade, que é de 11 camas, foi criada uma segunda Unidade de Cuidados Intensivos na anterior unidade de cuidados intermédios”, deu a conhecer a enfermeira, destacando que, “para além destes doentes, continuam a existir os que, sem Covid-19, necessitam de cuidados intensivos” e para os quais “a unidade de recobro do bloco operatório foi transformada numa Unidade de Cuidados Intensivos”.
Os “enfermeiros dos cuidados intensivos, cuidados intermédios e bloco operatório vão alternando turnos entre os três locais de modo a uniformizar os cuidados, garantindo a experiência e a qualidade dos cuidados”, acrescentou Andrea Silva.
Por mero acaso, a conversa desta enfermeira com o labor acabou da mesma forma como começou, com a partilha dos dois grandes objetivos deste casal. “Que a nossa família ultrapasse esta realidade com o mínimo de complicações e cumprirmos as nossas funções de enfermeiros de modo a cuidar o melhor possível de quem de nós precisa”.