Com 17 das suas 85 crianças
Ao final da tarde da passada segunda-feira, após dois meses confinada em casa, Victória não cabia em si de contente. Esta menina de três anos foi uma das 17 crianças que, a 18 de maio, regressaram ao Centro Infantil da Santa Casa da Misericórdia de S. João da Madeira. A mãe, Teresa Costa, veio buscá-la, recebendo em troca um abraço do tamanho do mundo.
Victória estava feliz. Finalmente, tinha chegado o dia de se reencontrar com a educadora de infância, a auxiliar e os “amiguinhos”. E também de vestir o vestido que já andava há muito tempo a pedir para usar. Aliás, o mesmo vestido que fez questão de mostrar à nossa reportagem.
Neste primeiro dia de regresso à creche, que coincidiu com o arranque da segunda fase do plano de desconfinamento, Teresa Costa era uma mãe satisfeita e também tranquila por ver a filha “bem e feliz”. Em conversa com o labor, esta sanjoanense de 49 anos, a residir na Vila de Cucujães, disse nunca ter hesitado “em trazê-la logo no primeiro dia”, “porque sei as condições que a menina tem neste infantário”, que frequenta desde os quatro meses. “Sei que a minha filha está em boas mãos”, reforçou a ideia.
Teresa Costa aconselhou os outros pais a fazerem precisamente o mesmo: “Tragam os vossos filhos, porque as crianças precisam de conviver umas com as outras”. Além disso, na sua opinião, no Centro Infantil e em outras instituições do género espalhadas pelo país “as crianças [em alguns casos] estão mais seguras”. “Há muitas ‘Valentinas’ [menina que supostamente foi morta pelo pai em Peniche] por aí fora, a sofrerem, a serem maltratadas” pela família. “Tenho medo é disso [dos maus tratos infantis], não do vírus [Covid-19]”, confidenciou ao nosso jornal.
Teresa Costa é comercial. Durante os últimos meses, quando grande parte dos portugueses ficou em casa, continuou a trabalhar. Victória ficou em casa com o pai, que tem um café que, devido à pandemia, esteve encerrado e que, entretanto, já reabriu portas.
“Distanciamento social entre meninos é impossível”
Entre as orientações da Direção-geral da Saúde (DGS) estão a “redução do número de crianças por sala”, o distanciamento físico de 1,5 ou 2 metros entre elas, quando estão em mesas, berços e/ou espreguiçadeiras; a organização de crianças e funcionários“em salas fixas (a cada funcionário deve corresponder apenas um grupo)” e também de horários e circuitos “de forma a evitar o cruzamento entre pessoas”; a receção e a entrega dos utentes à porta/entrada do estabelecimento, evitando a circulação dos encarregados de educação dentro das instalações; entre outras (ver caixa).
Segundo a diretora técnica do Centro Infantil, “o manual da DGS é um guião”. “É tal e qual um guião, porque na prática não é tão linear assim”, referiu Marta Vidinha, para quem, por exemplo, “o distanciamento social entre meninos é impossível”. Aliás, a responsável diretiva vê esta nova realidade “como um desafio” que é para ser cumprido “sem medo” e paulatinamente.
Daqui para a frente, “é trabalhar dia a dia”. “Não há uma programação para esta quinzena, mas para hoje, dia 18”, e assim sucessivamente. Conforme assegurou, se for preciso reajustar horários (atualmente o Centro Infantil funciona das 7h30 às 19h00), alterar procedimentos, “cá estaremos para o fazer”, mas sempre focados “num único objetivo: a questão da proteção” tanto dos utentes como das colaboradoras.
“Esta segunda-feira, recebemos apenas 17 crianças, de um total de 85”. “Este número reduzido tem muito a ver com a assistência aos filhos até ao final do mês de maio. Do que fui partilhando com os pais, esse é o principal motivo para não os trazerem associado “ao quero ver como isto corre”, explicou Marta Vidinha, chamando à atenção para que “o pior ainda está para vir, porque uma coisa é trabalhar com 17, outra coisa é trabalhar com 85 e/ou 185 [este último número já a contar com o jardim de infância]”.
Neste momento, só 11 das 30 funcionárias do Centro Infantil estão a serviço. Mas já a partir de 1 de junho, quando os pais deixarem de receber o apoio à família e com o recomeço do pré-escolar, vão ser necessárias todas.
“A receção e a entrega vão ser os momentos mais caóticos”
Marta Vidinha crê que tudo vai correr pelo melhor. Estes primeiros 15 dias “vão ser para perceber” até que ponto as diretrizes da DGS são ou não praticáveis. As crianças são as que menos a preocupam, porque“aos miúdos basta deixá-los brincar, ser crianças”. Já com os adultos – leia-se colaboradoras e pais – não é bem assim. E a prova disso é que ainda há quem, por exemplo, se esqueça de usar máscara: “Ainda hoje, tive pais que não trouxeram máscara. Achava que não era necessário, mas vou ter de colocar um aviso à entrada”.
Na ótica desta educadora de infância da Misericórdia há 16 anos, “a receção e a entrega vão ser os momentos mais caóticos”, “porque há muitos procedimentos”. “É o chegar com a criança, é o higienizar uma roupa, uma mochila, umas fraldas que hipoteticamente traga, é descalçar, é levar às salas”, concretizou, fazendo ver, ainda, que tudo isto “é um esforço grande para as instituições”.
No caso do Centro Infantil, só na zona da entrada, vão estar não uma mas três colaboradoras: “A que recebe, que está nos ‘contaminados’, tem de passar para a outra que está limpa e que vai retirar as coisas direitinhas e preparar tudo para, entretanto, entregar a uma terceira que vai levar a criança à sala”.
Para já, “as colaboradoras estão a reagir bem, com otimismo”. “A vontade de vir trabalhar, de estar com os miúdos, é muito grande”, referiu a diretora técnica, que conta com a sua equipa para “levar o barco a bom porto”.
Francisco ainda não regressou à creche por indicação médica
Francisco, com quase um ano e meio, é o mais novo dos três filhos de Kelly Guerra. Frequenta a creche do Centro Infantil da Santa Casa da Misericórdia de S. João da Madeira desde setembro passado.
Esta jovem mãe sanjoanense, de 38 anos, viu o seu bebé, com “poucos dias de vida”, a lutar contra a morte num hospital. “O Francisco apanhou um vírus [o VSR – vírus sincicial respiratório] que num recém-nascido pode ser fatal”, contou ao labor,acrescentandoque em crianças com este problema como o seu filho “uma simples constipação passa a bronquiolite com muita facilidade, porque as suas defesas estão baixas”.
É, pois, esta a justificação para o Francisco ainda não ter regressado à creche. O seu regresso vai depender do que o médico disser. “Estou simplesmente a seguir indicações médicas”, garantiu Kelly Costa, que se encontra em casa, em teletrabalho. Situação que, ao longo destes últimos meses, lhe permitiu tomar conta de Francisco, mas também dos outros dois filhos – Tiago, de oito anos, e Tomás, de quatro – que frequentam a EB1 e o Jardim de Infância de Carquejido, respetivamente.
Creches sujeitas a regras da Direção-geral da Saúde
– redução do número de crianças por sala
–distanciamento físico de 1,5 ou 2 metros entre as crianças quando estas estão em mesas, berços e/ou espreguiçadeiras
–crianças e funcionários devem estar “organizados em salas fixas”, sendo que “a cada funcionário deve corresponder apenas um grupo”
–devem ser organizados horários e circuitos “de forma a evitar o cruzamento entre pessoas”
–à chegada e à saída da creche, as crianças devem ser entregues ou recebidas à porta do estabelecimento, evitando a circulação dos encarregados de educação dentro das instalações
–deve ser assegurado,“sempre que possível, que as crianças não partilham objetos ou que os mesmos são devidamente desinfetados entre utilizações”
–crianças não devem levar brinquedos ou objetos que não são necessários de casa e os brinquedos devem ser lavados duas a três vezes por dia
–“nas salas em que as crianças se sentem ou deitem no chão” o calçado deve ficar à entrada, “podendo ser solicitado aos encarregados de educação que levem calçado extra (de uso exclusivo na creche) a deixar ao cuidado dos auxiliares”. Quanto aosfuncionários, “deverão cumprir a mesma orientação nas salas em questão”
–na hora da sesta, deve existir um colchão para cada criança, que deve ser sempre o mesmo
–no período de refeições, a deslocação para a sala deve ser faseada para diminuir o cruzamento de crianças e os lugares devem estar marcados
–sempre que possível e desde que não seja comprometida a segurança das crianças, é aconselhado que as janelas e as portas das salas fiquem abertas
– “caso haja equipamento como ar condicionado, este nunca deve ser ligado em modo de recirculação de ar. Deve ser mantida uma adequada e frequente manutenção dos sistemas de filtragem”
– todos os funcionários devem usar máscara cirúrgica de forma adequada
– deve ser feita a higienização do espaço
– pais devem privilegiar o transporte individual da criança para a creche e as cadeirinhas ou o “ovo” devem permanecer em locais separados das salas de atividades e distantes umas das outras
– no caso de a creche dispor de transporte coletivo de crianças, este deve seguir as orientações relativas ao transportes coletivos de passageiros, assegurando “o cumprimento do intervalo e da distância de segurança entre passageiros” como, por exemplo, uma criança por banco. À entrada e saída da viatura, deve ser disponibilizada uma solução à base de álcool (70% concentração) e a carrinha deve ser descontaminada após cada viagem