Em 2017 assumia funções como responsável pelo futebol de formação da Sanjoanense. Porque decidiu abraçar este projeto?
Por duas razões. Fui atleta da Sanjoanense durante muitos anos. Foi aqui que fiz toda a formação e fui jogador sénior. Foram 10 ou 11 anos no clube e o bichinho ficou. Entretanto, acabaria por regressar porque o meu filho teve um problema grave de saúde de nascença e aos 12 anos o médico deixou-o jogar futebol, modalidade pela qual tem uma adoração terrível, e no dia em que isso aconteceu disse-me que queria jogar na Sanjoanense. Sabia que não ia ser fácil vir para a Sanjoanense, até porque com 12 anos ia aprender a jogar futebol, mas a realidade é que na altura falei com os responsáveis do clube e abriram-lhe as portas para a equipa C de iniciados. No final da temporada pedi para falar com o presidente Vargas e com o responsável pela formação para fazer uma reclamação, porque entendi que o critério não era igual e que a equipa C era tratada como se os jovens andassem apenas a pagar a mensalidade. No final da reunião o presidente falou comigo e convenceu-me a pegar no futebol de formação.
Depois de tantos anos afastado, quando chegou à Sanjoanense como é que encontrou o clube?
No primeiro ano, como pai de atleta, não reconheci o clube. Não me via numa Sanjoanense assim. Na altura do professor Brito fui acompanhando um bocado por fora porque foi polémico, mas sempre que se queira impor regras acabasse por ser polémico, principalmente quem o quer fazer de um momento para o outro. Nós, neste momento, temos regras, mas foram conquistadas. É preciso fazê-lo com calma e clareza. Em 2017, quando assumi funções como diretor, foi o ano zero e fazer melhor do que o que estava era muito fácil. No entanto, não havia treinadores que quisessem abraçar o projeto. Eu e o coordenador Élio Almeida, que foi dos primeiros a juntar-se a mim, fizemos mais de 30 telefonemas e ninguém queria vir para a Sanjoanense. Já ninguém acreditava no clube. Conseguimos convence-los com um projeto de futuro, mas não tínhamos dinheiro para pagar porque o clube não tinha forma de suportar a formação da maneira que geria as contas. Essa foi, aliás, a principal condição que coloquei ao presidente Vargas. As contas serem autónomas e termos a gestão sobre o dinheiro da formação.
“No primeiro ano, como pai de atleta, não reconheci o clube”
Regressou à Sanjoanense como pai, mas depois assumiu a direção do futebol de formação. Que diferenças encontrou?
Isso é uma pergunta difícil por várias razões. Apesar de admitir que podiam fazer melhor, reconheço que com as condições que estavam criadas dentro do clube não era fácil trabalhar. Não nos podemos limitar a receber a mensalidade, porque há todo um trabalho por trás que é necessário. E o que encontrei em 2017 ainda hoje vejo nas pessoas responsáveis pelo clube, que não têm uma estratégia definida e que fazem o que acham melhor. Por isso acredito que na altura as pessoas faziam o que podiam e que achavam melhor, mas a realidade é que em 2017 os melhores atletas não estavam na Sanjoanense, preferiam ir para os clubes aqui à volta. A mística do clube e aquilo que acho que é a raça do povo de S. João da Madeira tinha-se perdido. Começamos a trabalhar nisso lentamente.
E foi difícil colocar a máquina a funcionar para a formação chegar ao nível que tem hoje?
O primeiro ano, mesmo a pagar ordenados baixíssimos, foi muito difícil, mas conseguimos credibilizar o clube. Com alguns sacrifícios da minha parte, porque não queria falhar, independentemente de haver dinheiro ou não, começamos a pagar sempre no mesmo dia. Recordo-me que no primeiro mês ninguém foi receber ao dia 10 porque não estavam habituados. Compramos equipamentos que ficam no clube, montámos um ginásio e a rouparia e criamos um departamento médico, que tem um especialista, de Braga, em medicina desportiva, mas que está presente no clube sempre que é preciso, e três fisioterapeutas e dois massagistas. A partir daí começou a base de uma estratégia que acho que o clube deveria ter e ser sustentável quando esta direção sair. Começamos a credibilizar o clube por aí e a criar parceiros sem pensar em resultados ou subidas. O segundo ano passou por tentar subidas aos nacionais no futebol de 11 e procurar que na base do futebol de 7 tivéssemos bons treinadores e atletas. Já no terceiro ano não subimos os juniores por um ponto, enquanto os juvenis e iniciados realizaram um bom campeonato. Este ano era o culminar do que nos propusemos no anterior e foi uma pena acabar da forma como acabou, porque tínhamos os juniores em primeiro lugar. Hoje assumo o que não assumi até então, que era a subida dos juniores, juvenis e iniciados ao nacional. Nos juniores não íamos dar hipótese. Os juvenis estavam em quarto lugar, mas com possibilidade de chegar à liderança e os iniciados estavam no segundo lugar.
Há algum momento que destaque desde que assumiu o futebol de formação em 2017?
O que mais me marcou ao longo destes anos foi a realização, em 2018, do primeiro jantar de Natal do futebol de formação, evento em que ninguém acreditava. Mas em 20 dias colocamos o jantar em funcionamento e revelou-se um sucesso, juntando mais de 300 pessoas, sendo que 90% eram atletas. Foi, sem dúvida nenhuma, um marco e acho que foi o acreditar no projeto, tanto de atletas como de encarregados de educação
Há pouco referiu que quando se impõem regras cria-se polémica. Notou isso desde que assumiu o futebol de formação?
Costumo dizer que se não tivermos as coisas definidas no papel é mais difícil resolver. A partir do momento que criamos um regulamento interno, que temos vindo a aperfeiçoar todos os anos, a grande maioria dos problemas está, automaticamente, resolvido. Criando regras cria-se polémica e eu tive problemas com vários pais, mas até hoje sempre os consegui levar a bom porto. Desde que estou na Sanjoanense já tivemos de suspender alguns pais, que ficaram proibidos de entrar no complexo durante um ou dois meses, mas na reunião acabam por dar razão ao clube e aceitam, de bom grado, o facto de não poderem ver os treinos do filho e os jogos em casa. A mensagem passou e, neste momento, temos as coisas mais controladas. Acho que passa por aí, criar regras, que era algo que não havia.
“Hoje a Sanjoanense dá-se ao luxo de escolher o treinador que quer e ir busca-lo onde quer”
Hoje, três anos depois, pode considerar-se que o futebol de formação da Sanjoanense é apetecível para treinadores e atletas?
Hoje a Sanjoanense dá-se ao luxo de escolher o treinador que quer e ir busca-lo onde quer. Dá-se ao luxo de ver os bons atletas que andam por aí espalhados quererem regressar ao clube. Já estamos num patamar onde conseguimos ir buscar atletas de valor acrescentado. Se formos a ver, se calhar 50% dos reforços que trouxemos nestes últimos dois anos são atletas da terra que estavam em clubes aqui à volta. A partir do momento em que os atletas da terra acreditam no projeto, os outros acreditam mais facilmente. Já se começa a ver as nossas equipas a terem o respeito que já não tinham. Hoje, onde a Sanjoanense jogar já não é um clube qualquer. Os próprios árbitros têm um respeito diferente de quando aqui cheguei. Não era incompetência, mas um desleixo e hoje o rigor é outro porque somos um clube de referência e com credibilidade cada vez mais alta. Filmamos todos os jogos para que as pessoas entendam que, mesmo sendo na formação, é preciso ter respeito. E eu não aceito que ninguém falte ao respeito pelos miúdos que trabalham durante a semana.
Quais são os objetivos a médio longo prazo definidos para os vários escalões?
Vou apontar um objetivo que todos que estão comigo sabem. O meu objetivo principal é que quando um atleta é abordado para ir para um clube aqui à volta não queira sair e que não pense, sequer, duas vezes. Temos que incutir nos atletas que a Sanjoanense é um clube de referência e que é dos que mais atletas de formação tem dado ao campeonato nacional. Lembro-me no primeiro ano quando reunimos com a equipa de juvenis e perguntei quem pretendia sair a resposta foi unanime, todos queriam ficar no clube. Desde então, para mim, aqueles miúdos são alguns dos melhores do mundo porque acreditaram no projeto. Por isso, o primeiro objetivo que tenho para o futebol de formação da Sanjoanense é transmitir a mística do clube aos atletas para que não queiram sair. Mas para isso é necessário dar-lhes boas condições, ter bons treinadores e diretores, sem nunca descurar os resultados.
No futebol de 11, que é aquilo que nos traz mais valias para o futebol de 7, é colocar as equipas no nacional. E na próxima época estaremos lá para discutir as subidas nos três escalões. Que ninguém tenha dúvidas disso, que era o objetivo para a época de 2019/2020.
Com a qualidade dos clubes aqui à volta também a aumentar é fácil segurar os atletas, nomeadamente os mais velhos?
Não. Nos juniores, por exemplo, há clubes que pagam 100 euros por mês aos miúdos e nós perdemos alguns atletas por causa disso. Mas nós também fazemos um esforço financeiro. Para além de termos um carro que, em dias de treino vai buscar os atletas que precisam à faculdade, no ano passado a Sanjoanense abdicou do pagamento da receita dos juniores com o intuito de subir. Uma verba que nos faz falta porque a aposta era precisamente a subida. Por isso é que o clube precisa de uma estratégia completamente diferente da que tem hoje de apoio à formação se tiver como objetivo subir aos nacionais. Subir não é só dizer que estamos nos nacionais. Isso requer mais atenção, mais despesa e o que já disse várias vezes, que é necessário profissionalizar duas ou três pessoas dentro do clube.
“O clube precisa de uma estratégia diferente de apoio à formação”
E que estratégia seria essa?
Com uma aposta na subia aos nacionais essa estratégia deve passar por um maior suporte financeiro, e não sei se a Sanjoanense tem condições para isso. Debato-me muitas vezes com o presidente Vargas devido às verbas que caem na formação. No primeiro ano fui eu, pessoalmente, que assumi todas as despesas e disse ao presidente que não queria subsídio nenhum da câmara. Foi o ano zero de tudo e que serviu de estudo para a época seguinte, onde começamos a canalizar algumas verbas para a formação. Este ano acertamos os valores, mas não chegam para pagar as inscrições dos atletas. Por exemplo, foi o terceiro ano consecutivo que mantivemos os mesmo equipamento, precisamente para não criar despesas aos pais e conseguirmos manter as contas equilibradas. É por isso que trabalhamos muito na publicidade e temos de agradecer em quem acredita em nós, muitas das vezes sem ter o retorno que deveria.
E por falar em contas, o futebol de formação está saudável em termos financeiros?
Completamente. Neste momento o futebol de formação não deve um cêntimo a ninguém.
Esta época estava a ser excelente para o futebol de 11 da Sanjoanense, mas a temporada passada também foi de sucesso, com os juniores a alcançarem duas taças. O futebol de 7 não caminha no mesmo sentido?
Há várias formas de olhar para a formação e hoje continuo insatisfeito com o nosso futebol de 7 porque ainda não temos um modelo de jogo. Temos de crescer muito e mudar por completo porque não é o que quero para a Sanjoanense. Fomos buscar o Luís Guimarães, que estava a fazer um ótimo trabalho no futebol de 7, mas que nos deixou ao fim de três ou quatro meses. Faltou aqui a tal profissionalização de duas ou três pessoas para que se sintam confortáveis e façam o trabalho deles. Não é com os 100, 200 ou 300 euros que pagamos, que já é bom, que conseguimos ter uma pessoa dedicada ao clube de manhã à noite. Neste momento não fazemos um mau trabalho no futebol de 7, fazemos um trabalho mais ou menos e isto é a mágoa que tenho neste momento. Não é isto que eu quero, mas também é preciso ter meios. E nós temos de continuar a crescer e criar uma base de sustentação financeira para que possamos dar esse passo, que é muito importante.
“Hoje continuo insatisfeito com o nosso futebol de 7”
Se o trabalho não é o ideal, só mesmo com a profissionalização de alguns elementos é que se consegue elevar a qualidade?
Claro. Para isso precisamos de duas ou três pessoas. Temos o Élio Almeida, que é coordenador geral, mas desempenha funções em part-time, enquanto o Luís Lavoura, que é o técnico de roupa, proporciona-nos tudo e mais alguma coisa e para que não falte nada nos treinos, mas precisávamos de uma pessoa que viva o clube durante o dia. Nós vivemos a Sanjoanense durante o dia e noite, mas o nosso tempo é relativo devido à ocupação profissional.
A certificação como entidade formadora atribuída em 2019 à Sanjoanense não vem dar um reforço nesse sentido?
Claro, e é o culminar de todo o trabalho árduo que tivemos para conseguirmos chegar às quatro estrelas, onde estamos hoje.
Uma distinção que também traz vários benefícios.
Permitiu-nos, por exemplo, celebrar contratos com cinco atletas do clube, algo que pensamos repetir este ano, segurando, assim, os valores que a Sanjoanense deve salvaguardar. É claro que depois “batemos” sempre com a equipa sénior, porque não temos garantias de que possamos ter um, dois ou três atletas integrados no plantel. Trata-se de uma SAD e como se sabe o objetivo é fazer receita e não albergar miúdos. É algo que percebo perfeitamente e a culpa não é da SAD, mas da estratégia que foi traçada anteriormente. Recordo que no contrato efetuado com o clube a SAD é obrigada a ficar, no mínimo, com três atletas da formação, algo que até hoje nunca aconteceu e o responsável pela Sanjoanense nunca se impôs de forma a que o contrato fosse cumprido. Isso dificulta o trabalho de base porque o objetivo dos miúdos é sempre chegar aos seniores. Mas a nossa relação com a SAD é ótima.
Isso não é desmotivante para os atletas?
É desmotivante para os atletas e para quem está à frente da formação. Quando se chega ao patamar de juniores o objetivo é ter sempre uma oportunidade na equipa sénior da casa.
Tendo alguma autonomia, qual a relação que existe entre o departamento do futebol de formação e a Sanjoanense?
É uma boa relação. Aliás, acho que todos os departamentos do clube têm uma boa relação entre si. Temos uma boa relação com toda a gente, revindicamos apenas o que temos a revindicar.
“Este foi um ano de investimento para deitar fora”
Se, neste momento, decidisse terminar funções, deixava o futebol de formação no patamar que gostaria?
Gostava de sair da Sanjoanense com todas as equipas de futebol de 11 no nacional, mas tenho andado a pensar nisso. Ao nível financeiro, sem dúvida que o futebol de formação fica no patamar que pretendia, mas em termos desportivos não atingi o que queria, mas o momento que se viveu e que levou ao cancelamento da época travou esse objetivo.
Com o encerramento antecipado da época a preparação da nova temporada já começou. Quais são os objetivos?
Começamos a trabalhar mais cedo e temos os escalões de futebol de 11 praticamente todos fechados, e a aposta é a subida das equipas A aos nacionais. No futebol de 7 estamos a reforçar as equipas com alguns miúdos que fomos buscar, trocamos alguns treinadores e fizemos algumas renovações para dar, precisamente, mais qualidade.
Concorda com as decisões relativamente ao cancelamento das competições jovens devido ao momento que o país atravessa?
Foi uma decisão vergonhosa. Este ano, no distrito de Aveiro, a Sanjoanense foi o clube mais castigado pela regra que a FPF impôs. Tínhamos todas as condições para estar nos nacionais com três equipas, mas acredito que, no mínimo, conseguíamos lá colocar duas. Esquecem-se que miúdos que este ano iriam ser campeões, nunca mais o serão na vida. Esquecem-se que os investimentos que os clubes já fazem na formação são grandes para os objetivos. É frustrante para os miúdos.
Que medidas considera que deveriam ter sido tomadas?
Todos os clubes deveriam reclamar, como nós fizemos. É preciso haver respeito pela formação. Quando se fala de futebol de 11 estamos a referir-nos a miúdos que estão em formação, mas que têm o objetivo de ganhar e de serem campeões, e para eles não houve respeito nenhum. Este foi um ano de investimento para deitar fora.
A aposta continua a ser em treinadores de nível elevado?
A nossa escolha continua a ser em treinadores que se podem enquadrar na filosofia que pretendemos para a Sanjoanense, que é transmitir aos atletas os principais valores pelos quais o clube se rege há muitos anos.