Mais do que nunca, António e Armando Oliveira tiveram de manter a tranquilidade para lidar com a morte e, sobretudo, confortar as famílias que não podiam se despedir dos entes queridos 

Naturais de Arrifana (Santa Maria da Feira), os irmãos António e Armando Oliveira, de 57 e 52 anos, respetivamente, são os dois sócios gerentes da Agência Funerária António Oliveira & Guedes, Lda. Neste negócio de família “a caminho do meio século”, contam com três colaboradores, entre os quais o filho de Armando, de 28 anos, que contrariamente ao pai veio trabalhar para este setor de livre e espontânea vontade.

Armando confessou ao labor que “detestava isto por ser uma ‘prisão’”. Mas a verdade é que, depois de ter trabalhado na área do calçado e de ter estado emigrado em França quase 15 anos, regressou a Portugal para vir ajudar o irmão que já estava no ramo, acabando por se tornar também agente funerário e, agora, não se vê a ter outra profissão que não esta.

Os dois agentes funerários garantiram à nossa reportagem que não se veem “a fazer outra coisa agora”. “Gostamos disto”, apesar do “inconveniente” de terem de estar sempre disponíveis, 24 horas sobre 24 horas.

“Toda a vida vivemos com mortos em casa”

Armando e António tratam a morte por tu. “Toda a vida vivemos com mortos em casa”, contou Armando ao nosso jornal, falando do pai de ambos, também de seu nome António, que “sempre fez isto”: “Começou por ser empregado do ‘Alves & Filhos’ e quando saiu estabeleceu-se”. Os dois filhos sempre o ajudaram, na medida do possível. O mais velho chegou a trabalhar com o pai, após a fábrica de calçado onde era funcionário ter fechado.

Hoje, Armando e o irmão são os rostos de uma agência funerária de renome. Com instalações na Rua do Casal, em Milheirós de Poiares, a Agência Funerária António Oliveira & Guedes, Lda. presta “uma média de 25 serviços por mês”. A maioria dos clientes é de Arrifana e de S. João da Madeira. Aliás, só no ano passado, “167 dos 185 funerais que tiveram lugar em SJM foram realizados por nós”, conforme adiantaram ao nosso semanário, acrescentando que “também temos Sanfins, Fornos, Santa Maria da Feira, Nogueira do Cravo, Fajões, Cesar, Milheirós de Poiares, Romariz, Escapães e algumas freguesias mais distantes”.

E são vários os fatores que contribuem para que assim seja. A começar pelo “nosso profissionalismo, serviço, preço e também sinceridade”. Armando e António fazem tudo para que os clientes se sintam à vontade, como se estivessem em família. Além do mais, têm “a transparência como lema”.

António e Armando admitiram ter tido “medo” da Covid-19

Não é que antes já não tivessem de lidar com outras doenças. Sempre houve doenças do género e haverá. Mas com uma pandemia como a da Covid-19 é que “nunca lidámos”.

Ao labor, Armando e António admitiram ter tido “medo logo ao princípio [em março]” quando se começou a ouvir falar dos primeiros casos no país. Não tiveram qualquer tipo de formação específica, mas, depois de se informarem como deviam proceder, “foi mais fácil”. Março e abril foram os piores meses. De repente, as agências funerárias viram-se obrigadas a mudar o método de trabalho e as famílias tiveram de dizer o último adeus à distância. As cerimónias religiosas foram proibidas e os funerais deixaram de ser públicos. Apenas os familiares mais próximos podiam se despedir do ente querido e, mesmo assim, com o distanciamento necessário para que não houvesse qualquer risco de contágio.

“Nós não podíamos mostrar a pessoa aos familiares. Vinha tudo selado [do hospital] e tínhamos de pôr desinfetantes até mais não”, relatou Armando, segundo o qual “cenário como este nunca tivemos”. “Nem mesmo nos anos 90 quando houve uma grande vaga de calor” que matou muitas pessoas, inclusive em França, recordou, dando nota ainda que já desde novembro do ano passado vinham recebendo “circulares” da AAFC – Associação de Agentes Funerários do Centro, a que pertencem, “a dizerem para nos precavermos”. Mas estavam longe de imaginar o que vinha por aí.

Ao todo, de março a junho e nas várias localidades onde presta serviços, a Agência Funerária António Oliveira & Guedes, Lda. realizou 25 funerais de Covid-19, confirmados, para além de cerca de meia dúzia suspeitos. Armando e António estiveram a trabalhar sozinhos “mais de um mês e meio”. “Meti o meu filho em casa e os outros dois colaboradores de férias e ficámos aqui sozinhos. Não os quisemos aqui a laborar, porque não sabíamos com o que estávamos a lidar. Para além disso, era só ir buscar a pessoa e levá-la para o cemitério. Foi uma fase em que fomos proibidos de tocar nos cadáveres. Nem os podíamos vestir. Fizemos muitos funerais assim”, relatou Armando.

Armando e António não se consideram heróis, mas também não escondem satisfação “por ajudar as pessoas”. “Sabe como é, temos de fazer também um bocadinho de psicólogos, confidentes”, explicaram, chamando à atenção para que um agente funerário é quase como um bombeiro: “Ligam-nos a qualquer hora: à uma, duas, três, quatro, cinco da manhã e nós temos de estar disponíveis”.

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