Chegou na época passada a S. João da Madeira. O que o levou a assumir o comando da Sanjoanense?
Tem a ver com a época que fiz no Esmoriz e que acabou por ser muito positiva, em que conseguimos uma classificação honrosa para um clube que tinha uma equipa bastante jovem. Antes da temporada terminar surgiu a possibilidade de treinar alguns clubes do CNS (Campeonato de Portugal) e a Sanjoanense foi um dos primeiros que falou comigo. Reuni com a SAD e não tive dúvidas nenhumas que era o projeto que queria. Primeiro é um clube grande, com uma massa adepta que gosta muito do clube e que valoriza muito os seus treinadores e jogadores. Depois a SAD apresentou-me um projeto exigente, mas ambicioso, pois a médio/longo prazo pretendem colocar o clube num patamar superior e estão a preparar tudo para o conseguirem, valorizando ao mesmo tempo os seus jogadores para chegarem a outro patamar. Foi muito fácil escolher a Sanjoanense porque gostei bastante do projeto que a SAD tem para o clube, mas, acima de tudo, pela sua sinceridade e frontalidade, que é o que mais aprecio no futebol.
Chegou à Sanjoanense com 38 anos e uma carreira relativamente curta. Foi difícil impor a sua metodologia?
Quando estipulei que queria ser treinador sabia que tinha que estar preparado para treinar em qualquer divisão. Tenho noção que preciso dar os passos certos para crescer e aprender para que em cada clube em que treine esteja preparado para ter sucesso. Há três anos estive para ser treinador da Sanjoanense e não tive problemas nenhuns em aceitar o desafio, mas depois achei que o projeto não reunia as condições necessárias para o que pretendia e vim embora. Se há três anos, que era mais novo, senti que tinha condições para ter sucesso agora não tive medo da idade em aceitar o projeto apresentado pela SAD.
“Foi muito fácil escolher a Sanjoanense”
Na época passada, quando chegou à Sanjoanense para implementar o seu projeto, quais foram as necessidades para a criação do plantel?
Nas várias reuniões que eu e a minha equipa técnica tivemos com a SAD decidimos que o melhor seria começar do zero, ou seja, ficar com poucos jogadores da época anterior. O projeto passava por ter um plantel misto, com atletas jovens, para serem valorizados, com outros mais experientes que pudessem trazer alguma tranquilidade aos jogadores mais novos, sem nunca fugir àquilo que é o essencial, que é ter um grupo de trabalho dentro do orçamento possível, mas que honrasse o clube e que permitisse lutar sempre pelos lugares cimeiros. Começamos devagar e na altura procuramos estruturar a linha defensiva com jogadores experientes, enquanto do meio campo para a frente quisemos jogadores novos, da Elite, que pudessem aproveitar o CNS para chegar a outro patamar. Também abrimos portas a jogadores estrangeiros que se queiram valorizar, que é um projeto da SAD. Tentamos fazer um plantel curto, mas com jogadores de qualidade, que fomos reformulando ao longo da época.
A última época foi sua primeira experiência no Campeonato de Portugal como treinador. Correu dentro do que esperava?
Comecei a treinar no Rio Tinto, que pertence à Elite do Porto, uma divisão em que grande parte dos planteis são constituídos por jogadores que saem do CNS e deixam de ser profissionais. É uma divisão bastante competitiva, mas a faixa etária dos atletas é dos 27/28 anos para cima e o jogo é disputado com muito contacto físico. Entretanto fui para a Elite de Aveiro e sabia que o contexto era completamente diferente. As equipas são mais jovens, os relvados são melhores e os próprios treinadores procuram um futebol mais apoiado e isso fez com que eu tivesse que me adaptar a esse contexto para poder ter êxito. Nessa altura acompanhava o CNS, um campeonato que tem um nível competitivo alto, com equipas que apostam muito nas bolas paradas e em transições. Antes de vir para aqui fui-me preparando e recolhendo informações sobre o tipo de futebol que grande parte dos treinadores optam, sem nunca fugir daquilo que é a minha ideia. A verdade é que nesta divisão há muitas equipas a marcar golos de bola parada e nós fomos a segunda ou terceira melhor nesse aspeto, e conseguimos resolver muitos jogos assim, que demonstra que nos adaptamos.
“Quando estipulei que queria ser treinador sabia que tinha que estar preparado para treinar em qualquer divisão”
E que balanço faz da última época, que acabou cancelada devido à pandemia?
Como tínhamos um plantel praticamente novo, na altura não tínhamos a noção até onde podíamos chegar, mas apesar do final da época antecipado considero que o balanço é extremamente positivo. Acho que conseguimos uma boa classificação. Ficamos nos primeiros seis lugares, mas acredito que podíamos ter acabado ainda melhor se a temporada tivesse chegado ao fim. Depois da vitória com o Lourosa, grande parte das equipas que íamos defrontar estavam no último terço da tabela, pelo que poderia ser mais fácil subir um ou dois lugares na classificação. Dentro de campo demos sempre tudo e, no geral, acho que conseguimos uma classificação honrosa, pois acabamos por ficar perto, ou mesmo à frente, de equipas com capacidade financeira superior e valorizamos muitos dos nossos miúdos.
A sexta posição conseguida pela Sanjoanense na altura em que a competição foi cancelada está, então, dentro das expetativas iniciais?
Como era tudo novo nunca foi estipulado um lugar a alcançar, no entanto sempre dissemos que queríamos ficar no primeiro terço da tabela classificativa. Mas tínhamos de ter noção da realidade de outros clubes e houve equipas, com outras condições, nomeadamente financeiras, que apostaram muito e, no entanto, acabaram atrás de nós, que demonstra que fizemos uma época muito boa. Acho que acabámos por ficar na posição que ambicionávamos, mas quando a época acabou tínhamos todas as condições para chegar aos quatro primeiros lugares.
“Apesar do final da época antecipado considero que o balanço é extremamente positivo”
No geral a época correu dentro do previsto, mas teve alguns momentos menos positivos. No último jogo, frente ao Lourosa, que a Sanjoanense venceu, a equipa vinha de dois empates e duas derrotas. Foi um dos momentos mais difíceis do campeonato?
A derrota mais pesada que tivemos foi no último encontro em casa antes do Lourosa. Não fizemos um bom jogo, mas a verdade é que a forma como fomos tratados pela arbitragem também acabou por influenciar o resultado e a SAD chegou a emitir um comunicado sobre isso. Mas foi apenas um jogo e essa fase menos boa tem uma explicação, que se deveu à paragem do campeonato, em dezembro. Houve uma altura em que tínhamos alguns jogadores emprestados e não pudemos contar com eles, que eram elementos importantes na nossa estrutura porque tínhamos um plantel muito curto. Além disso, tivemos a lesão de Godinho, que também acabou por interferir. Mas acho que essa fase estava ultrapassada e acredito que depois do jogo com o Lourosa podíamos embalar para uma época ainda melhor do que a que estávamos a realizar nessa altura.
A Federação Portuguesa de Futebol optou pelo cancelamento de todos os campeonatos, à exceção do principal. Acha que foi a decisão correta ou o Campeonato de Portugal também podia chegar ao fim, como acontece com a Liga?
Nunca vai haver consenso. Se perguntar se devíamos jogar a minha resposta é sim. Nós vivemos do futebol e os jogadores e treinadores que estão tanto tempo sem bola acabam por sofrer. É muito tempo sem poderem intervir, sem aparecerem, sem se valorizarem e isso acaba por ser prejudicial, mas aceito que a decisão da Direção Geral de Saúde terá sido a melhor com o intuito de proteger todos os intervenientes. No entanto, sempre fui um defensor de que deveríamos ter acabado o campeonato, porque era o mais justo para todos, até para definir quem sobe, quem desce e quem se mantém. Penso que se deveria ter tentado criar as condições necessárias para os jogadores poderem manter a sua atividade, como aconteceu na Liga. Assim, acaba por ficar sempre um amargo de boca porque não conseguimos acabar a época e fica sempre a ideia de que poderíamos ter alcançado um lugar melhor.
Tal como outras equipas que tinham possibilidade de subir de divisão e que viram a decisão ser tomada pela Federação Portuguesa de Futebol.
É um ciclo. O terceiro pode dizer que podia ficar em segundo e o segundo que podia ficar em primeiro. Nós também podemos dizer que acreditávamos que depois do jogo com o Lourosa, apesar de difícil e não ser o nosso objetivo, ambicionávamos isso, e tínhamos vantagem no confronto direto porque vencemos os dois jogos.
Face à situação, ou repetiam o campeonato ou tomavam uma decisão para definir quem subia. Não sendo possível a subida dos primeiros classificados de cada série e com a realização de uma liguilha posta de parte, a Federação não teve outra opção senão premiar as equipas que tinham mais pontos, o Arouca e Vizela.
“A criação da 3.ª Divisão vai, de um modo natural, selecionar as equipas que têm condições diferentes para poderem competir na 2.ª Liga”
E qual a sua opinião relativamente às alterações ao modelo competitivo do Campeonato de Portugal que a Federação pretende implementar?
A 3.ª Divisão deveria ser criada já este ano. Assim premiavam as equipas que não subiram e que ficaram entre o segundo e o quinto lugar porque estavam em condições de lutar pela subida e, dessa forma, iriam participar numa divisão mais competitiva. Houve muitas equipas que investiram para ficar nos dois ou três primeiros lugares e que acabaram por não ter nenhum tipo de compensação e vão competir na mesma divisão dos últimos classificados, que não tiveram nenhuma penalização, pois vão manter-se. No CNS existem dois tipos de equipas, as que querem apostar na subida, que têm orçamentos e estruturas completamente profissionais, e as que têm contratos amadores, com projetos diferentes e sem condições financeiras para chegar à divisão acima. A criação da 3.ª Divisão vai, de um modo natural, selecionar as equipas que têm condições diferentes para poderem competir na 2.ª Liga. Para além disso, acho que vai ser benéfico para os treinadores e jogadores porque o CNS e a 2.ª Liga são divisões com uma discrepância muito grande no nível competitivo, permitindo que quem suba da 3.ª divisão vá mais bem preparado.
Acho que as alterações vão ser benéficas, mas não concordo com as forma como estão a fazer. Penso que deviam premiar os três ou quatro primeiros classificados de cada série. Da forma como vão implementar, em que do segundo ao quinto não têm subida direta, sendo necessário a realização de um Playoff, vamos entrar no modelo que já existe e que é injusto, porque um ou dois jogos pode ditar quem sobe e isso não é reflexo da verdade desportiva.
Também acho que a 3.ª Divisão deveria ser dividida em duas zonas, Norte e Sul. Da forma como está planeada vai obrigar os clubes a orçamentos elevados. Por exemplo, no próximo ano se a Sanjoanense estiver na 3.ª Divisão vai ter de ir jogar ao Algarve ou Lisboa e, para isso, o clube vai ter que ter outra capacidade financeira.
Para a Sanjoanense que significado tem a criação da 3.ª Divisão?
O nosso objetivo é subir à 3.ª Divisão, porque em termos de hierarquia continuamos no terceiro escalão de Portugal. Está mais do que definido que vamos fazer tudo para ficar nos cinco primeiros lugares para podermos disputar o Playoff de subida, porque queremos colocar a Sanjoanense num patamar superior e o primeiro passo nesse sentido é a 3.ª Divisão, sabendo que há equipas com uma capacidade financeira acima da nossa. Mas se na época passada, com um orçamento pequeno, conseguimos fazer uma temporada bastante positiva, acreditámos que, dentro do mesmo orçamento, vamos fazer uma época igual, ou, se possível, melhor.
“O nosso objetivo é subir à 3.ª Divisão, porque em termos de hierarquia continuamos no terceiro escalão de Portugal”
Renovou em maio com a Sanjoanense. Quais as prioridades que tem definidas para a próxima época?
Mal a época terminou chegamos a um consenso para a renovação, que era o que mais queria e nessa altura ficou logo definido que, dentro da nossa capacidade, queríamos fazer uma temporada ainda melhor do que a última e isso é, no mínimo, o quinto lugar, posição que dá acesso a lutar por um lugar na 3.ª Divisão. Esse é o objetivo da equipa técnica e da SAD e que vamos passar para o grupo de trabalho. Assim, achei que seria melhor tratar das renovações o mais cedo possível, porque acho que é uma vantagem conseguirmos manter uma certa base da equipa do ano passado.
Sabemos que há jogadores que não vão renovar porque vão para melhor e não temos capacidade para discutir isso. São atletas que deverão sair para patamares superiores, com condições acima das que podemos oferecer, mas isso é motivo de orgulho para nós porque a projeção de jogadores faz parte do nosso projeto.
Estamos a conseguir, dentro das nossas possibilidades, manter os atletas que queríamos, e dentro do que a SAD tem acesso contamos ir buscar jogadores para acrescentar qualidade e colmatar as saídas. O plantel está longe de estar fechado, mas está a ficar bem preparado para competir na próxima época.
Aos poucos o plantel vai ganhando forma, mas até ao momento apenas foram assegurados três reforços, face às oito renovações. É convicção manter, então, uma grande parte da estrutura da época passada.
Até hoje existe uma sintonia total do que queremos para o projeto da Sanjoanense. Acredito no projeto da SAD e eles acreditam que eu posso ajudar a alcançar os objetivos que pretendem. Foi logo estipulado ficar com a base porque os jogadores merecem. Podemos ter cinco ou seis atletas estrangeiros que vêm acrescentar qualidade, que a juntar aos que já estão definidos deixa o plantel mais ou menos estruturado. Estamos a tratar das contratações, mas como há clubes com uma capacidade financeira maior do que a nossa temos de trabalhar pela antecipação e pelo projeto, que é aliciante. Acredito que vamos conseguir fazer um plantel forte, como no ano passado, ou ainda melhor, sabendo que vai ser muito difícil.
“O plantel está longe de estar fechado, mas está a ficar bem preparado para competir na próxima época”
Depois de uma paragem tão longa, como vai ser a preparação e o arranque da nova época?
Temos de ter noção que vai ser uma época diferente. Não há ninguém que esteja preparado para isto e a prova está no recomeço da Liga onde há resultados completamente inesperados. Já temos estipulado que vamos fazer uma pré-época mais longa, de sete semanas, enquanto no ano passado foi de cinco. Tudo indica que vamos regressar ao trabalho a 27 de julho. O nosso objetivo é ir devagar porque depois de uma paragem tão longa temos que habituar os jogadores ao esforço. As duas semanas a mais de preparação, relativamente ao ano passado, vão permitir que o arranque seja mais lento. Temos de ser mais calmos nas exigências para que os jogadores não se ressintam ao nível muscular, porque uma lesão pode obrigar a uma paragem muito longa e isso é pior para nós.
Mas esta é uma paragem atípica, que nada tem a ver com a habitual transição de uma época para a outra.
Não temos noção do impacto nos jogadores. Quanto mais idade tiver mais vai o atleta vai notar esta paragem. Os jogadores a partir dos 27 ou 28 anos demoram mais tempo a atingir o pico de forma e na pré-época temos que ir mais devagar. Temos que ter essa noção para evitar lesões. Neste caso o cuidado terá que ser ainda maior porque vai haver no plantel essa dualidade. Vamos ter mais de metade da equipa com idades entre os 18 e os 21 anos e depois um grupo de cerca de 10 jogadores dos 27 anos para cima. Face a isso, temos de ter noção das cargas que damos, o tipo e tempo de treino, o tipo de suplementos e ginásio que cada jogador pode fazer.
“Quem chega tem que rapidamente entender a dimensão da Sanjoanense”
Como descreve a Sanjoanense?
A decisão mais difícil da minha curta carreira como treinador foi há três anos quando sai da Sanjoanense, porque tinha a certeza que estava a sair de um clube enorme e, provavelmente, não votaria a ter hipótese de treinar um clube com esta dimensão. Mas na altura senti que para a carreira que queria o projeto poderia não ser o ideal e tive que sair. É isso que sinto hoje. Estou num clube enorme, se calhar com a maior história e peso no CNS. Movimenta muita gente e nota-se na massa adepta e na claque o amor que têm pelo clube. isso foi uma das coisas que mais quisemos transmitir aos jogadores e quem chega tem que rapidamente entender a dimensão da Sanjoanense e a exigência que não só a SAD cria, mas também a massa adepta, que é muito boa. Para mim é fascinante ser treinador da Sanjoanense porque gosto dessa exigência. Foi isso que quisemos criar na última época e manter para a próxima, porque notava-se que os jogadores honravam a camisola e tinham noção do que era representar este clube. Os atletas têm de ter noção que a exigência é alta, mas é um clube que tem uma capacidade de promover jogadores e equipa técnica que poucos nesta divisão têm.
E como define a massa associativa do clube?
A Força Negra é algo ímpar. É um símbolo do clube e que traz algo diferente e isso nota-se no amor e dedicação ao clube. É uma claque completamente correta. Estou aqui há um ano e nunca vi nenhum tipo de atitude menos própria ou injusta e esteve sempre connosco, tanto nas vitórias como nos momentos menos bons. Nas duas derrotas que tivemos em casa foi notória exigência da claque, mas também notei que esteve sempre do nosso lado e é algo gratificante para quem trabalha aqui. Depois da derrota com o Felgueiras a claque esteve em Lourosa a apoiar-nos e isso é sinal que acreditava em nós e, acima de tudo, no amor pelo clube. Uma das coisas que mais define os clubes é a massa adepta e na Sanjoanense isso é algo ímpar e uma prova do amor ao clube foi o que se passou recentemente ajudando na pintura das bancadas.