Sanjoanenses no Mundo
Sandro Rodrigues tem 24 anos, é natural de S. João da Madeira e é músico, professor de música e assistente de cozinha na cidade de Maastricht nos Países Baixos.
Sandro Rodrigues andou na escola primária das Fontaínhas, no ciclo e na Escola Secundária João da Silva Correia, seguindo os estudos na Escola Profissional de Música de Espinho, no Conservatório Superior de Música de Aragón e no Conservatorium Maastricht, onde se encontra a terminar o mestrado em Performance de Guitarra Clássica.
O que te levou a deixar a tua cidade, o teu país?
A primeira vez que saí da cidade foi para estudar em Espinho, na Escola Profissional de Música, onde fui à procura de melhores soluções para desenvolver as minhas competências como estudante de guitarra clássica e como músico. No momento em que parti para Saragoça tinha vontade de ter uma educação que fosse além-fronteiras e que me desse uma bagagem que me pudesse facilitar a nível laboral em Portugal no futuro. Depois a situação foi-se enrolando com o mestrado ainda mais longe, em Maastricht, e agora vou estar aqui um ano à procura de vida artística e de divulgar o meu trabalho.
Onde estás a estudar e a trabalhar?
Acabei este ano o mestrado em Performance de Guitarra Clássica e atualmente estou a trabalhar num restaurante aqui em Maastricht com a ideia de encontrar algo mais estável no âmbito da música porque ainda tenho poucos alunos privados aqui para fazer um salário. É um ano que vou ter de aproveitar ao máximo para fazer render o CD que acabei de lançar e fazer o máximo de concertos e contactos no centro da Europa.
Quando lançaste o CD?
O CD foi lançado a 20 de março deste ano nas plataformas de streaming e estáagoraa começar a sair nas lojas em formato físico.
“É um ano que vou ter de aproveitar ao máximo para fazer render o CD que acabei de lançar e fazer o máximo de concertos e contactos no centro da Europa”
Como correu a campanha de crowdfundig que lançaste em junho de 2019?
Pior do que esperava, realmente, porque não foi bem-sucedida. No final acabei por atingir apenas 25% do objetivo e como é normal nas campanhas de crowdfunding o dinheiro é devolvido à sua fonte.
Qual a adesão e reação a este que é o teu primeiro trabalho gravado e publicado?
Até agora tem sido bastante boa. Os primeiros meses nas plataformas online foram bastante ativos, cheguei a ter cerca de 800 ouvintes semanais, em todos os cantos do mundo. A nível de vendas físicas, está a ter bastante sucesso na Alemanha, por exemplo.Mas, claro, os números das vendas nunca são incrivelmente altos, porque estamos a falar de um público alvorestrito. As críticas têm sido muito positivas, tanto por parte de jornalistas em revistas, blogs e rádios de música clássica, como por parte de músicos de vários estilos e também pelo público em geral. É muito gratificante ver a resposta positiva, por exemplo, por parte de intérpretes de música antiga, porque neste disco toco uma parte do repertório deles, que adaptei para guitarra, o que pode ser delicado para os mais escolásticos, mas até agora só ouvi boas palavras, afortunadamente.
Onde pode ser comprado?
De momento o CD está à venda em várias lojas online da Alemanha, Polónia, França, Bélgica, Holanda, Estados Unidos, Reino Unido, Japão e China, mas infelizmente ainda não chegou a Portugal e Espanha, devido aos atrasos provocados pela pandemia. Também está disponível no meu website www.sandrorodrigues.pt, onde pode ser comprado para envio ou para recolha em S. João da Madeira, em local a designar.
“Os primeiros meses nas plataformas online foram bastante ativos, cheguei a ter cerca de 800 ouvintes semanais, em todos os cantos do mundo”
Até que países te levaram os concertos?
De momento apenas toquei em Portugal, Espanha, Holanda e Bélgica, mas estou a fazer o máximo para conseguir organizar uma tour de apresentação do disco pela Europa. Vamos ver como corre.
Este é teu o primeiro emprego fora de Portugal?
Em Saragoça já tinha trabalhado como professor de guitarra numa academia. E, depois, quando vim para Maastricht e começou a avançar o projeto de gravar um disco, tive que começar a trabalhar para o concretizar. Trabalhei primeiro num hotel, a lavar pratos, e passado meio ano fui trabalhar para a cozinha de um restaurante, a preparar pratos, sobremesas, entradas, etc..
Foste sozinho?
Para Saragoça sim, fui sozinho. Para os Países Baixos vim com alguns amigos de Espanha e já conhecia algumas pessoas de Portugal que estavam a estudar aqui também.
Conheces muita gente?
Ao estar no ambiente “universitário” acabas sempre por conhecer bastante gente, tanto portugueses como estrangeiros. E Maastricht é uma cidade bastante multicultural, há gente de todos os cantos do mundo.
Há quanto tempo estás a trabalhar?
Como professor de guitarra e intérprete trabalho há cerca de quatro ou cinco anos. E em restaurantes estou a trabalhar há um ano e meio.
“CD está à venda em várias lojas online, mas ainda não chegou a Portugal e a Espanha devido a atrasos provocados pela pandemia”
De que forma é que a pandemia afetou os teus trabalhos?
Antes de mais, afetou a apresentação do disco, pois tinha o concerto de estreia marcado num auditório incrível e relativamente grande aqui em Maastricht, que infelizmente foi cancelado, e também impossibilitou o agendamento de futuros concertos, pois toda a situação ainda éum bocado delicada eninguém sabe o que vem a seguir. Depois afetou também o disco a nível de distribuição, porque as lojas de discos e multimédia estiveram fechadas. Afetou também os estudos, que consegui acabar com sucesso, mas com um sabor amargo, pois a quantidade e a qualidade de estudo não foram as mesmas durante a quarentena: a motivação era muito mais baixa, o ambiente de estudo era menos saudável, porque tinha que estudar em casa, em vez de ter uma sala apenas designada para o estudo no conservatório e todos esperávamos ter o nosso concerto de final de curso, para mostrar aquilo em que estivemos a trabalhar nos últimos anos e poder celebrar esse momento, mas não foi possível.
Um dia esperas conseguir viver apenas da música?
Claramente, nem ponho isso em questão. Tanto em performance como em educação, este é o sonho que sempre tive e persegui. De momento estou nesta condição de “sobrevivência”, também porque é o primeiro ano em que entro para o mercado de trabalho, mas o plano é, aos poucos, começar a viver somente da atividade musical.
Achas que isso é possível aí?
É possível em qualquer sítio da Europa, em alguns sítios melhor, noutros pior. Aqui a atividade artistaé mais fácil de se procurar, pois estou num sítio em que o acesso a outros países do centro de Europa é muito mais rápido e simples. Há viagens de comboio e autocarro para as grandes cidades europeias e isso facilita a organização dos concertos.
E em Portugal?
Em Portugal também é possível, acho eu, mas é preciso ter outra mentalidade, outros objetivos e saber não parar, não morrer na praia. Mas como diz o grande guitarrista Dejan Ivanovic, que está sediado em Portugal: “Não importa onde estamos, o que importa é o que fazemos onde estamos.”.
“Estou nesta condição de ´sobrevivência´ porque é o primeiro ano em que entro para o mercado de trabalho”
Quais os pratos e bebidas característicos do local onde estás a viver?
Os Países Baixos, pelo que vi até agora, não têm uma grande cultura gastronómica, apesar de haver bons restaurantes aqui. Se tivesse que dizer alguns pratos típicos, seriam o “frikandel”, que é basicamente uma salsicha, ou o Limburgse Vlaai, que é uma tarte com recheio de fruta, normalmente frutos vermelhos.
Quais as tradições?
O Carnaval e o Dia do Rei são os dias mais importantes do ano. Não há holandês que falhe uma destas festas. Toda a gente sai à rua, come, bebe, dança e faz barulho até de madrugada.
Quais os locais emblemáticos?
Eu diria que a Praça do Vrijthof, que é onde se realiza o festival do André Rieu todos os anos. É o local mais conhecido. Também o edifício do Governo de Limburg, que foi onde se assinou o Tratado de Maastricht, que é um marco importante na história da União Europeia.
Como são as pessoas?
Durante o ano letivo a população é muito jovem, pois é praticamente uma cidade universitária, por isso varia muito da cultura de cada um. Quanto ao povo natural daqui, pela experiência que tive até agora, são muito abertos a acolher imigrantes e valorizam o trabalho que os estrangeiros fazem, seja em que trabalho for. No meu caso, em todos os concertos que tive aqui, sempre tive uma boa relação com o público e eles vêm sempre fazer montes de perguntas sobre Portugal, sobre fado, dizer que já estiveram em Portugal, etc..
Adaptação ao idioma “custou e ainda custa”
O que mais te surpreendeu?
Os horários das refeições, por exemplo. Os holandeses almoçam às onze da manhã e jantam às cinco ou seis da tarde. A primeira vez que vi restaurantes ou esplanadas cheias a essas horas, pensava que era muito típico ir beber um copo antes do jantar, porque também é muito comum em Espanha, mas apercebi-me que estava enganado quando vi todas as mesas cheias de comida a essas horas.
O que mais te custou a adaptar?
O idioma. Custou e ainda custa. Claro que podemos sobreviver perfeitamente com o Inglês aqui, mas no meu caso, que quero ter alunos de guitarra, e que normalmente são crianças, o Holandês é imprescindível. Já tive algumas desistências de miúdos simplesmente porque eu não conseguia dar as aulas em Holandês.
Há alguma expressão típica do local onde estás?
A que mais fica no ouvido é o “hoi hoi”, que tanto pode ser utilizado para dizer “olá” como “adeus”. E é algo engraçado porque praticamente cantam quando o dizem.
Que sítios costumas frequentar?
Frequento bastante o restaurante onde trabalho, porque conheço toda a gente lá e, nesta altura, tanto por ser Verão como por ainda estarmos na situação de pandemia, os meus amigos estão pelos seus países. Mas antes desta situação costumava ir a pubs com amigos, uma festa ou outra nos “clubs” e costumamos juntar-nos bastante a tomar café uns em casa dos outros.
“Se há momento para arriscar, é agora”
Qual o balanço desta aventura pessoal e profissional?
Bastante positivo, porque cresci em todos os aspetos. Pessoalmente porque ao sair de casa aos 18 anos para viver sozinho, tive que ganhar bastante responsabilidade, principalmente a nível dos estudos. Não tinha a minha mãe, por exemplo, a dizer-me todos os dias para ir estudar e tive de começar a fazer mais trabalho doméstico, o que é normal em todos os estudantes. A nível artístico e profissional, evoluí bastante e bem, porque tive a sorte de ter os mentores certos, de ter os professores que mais se adequavam a cada momento em que estava. O facto de trabalhar em algo que não é a minha área e que tenho que tratar como um ganha-pão também me fez acordar muito e melhorar o meu caminho para a realização dos meus objetivos.
Do que sentes mais falta?
Família e amigos, no topo da lista, com certeza. O estilo de vida e o clima tornam tudo bastante diferente. Não é tão comum sair com os amigos durante o Inverno, por exemplo. A praia é também uma das coisas das quais sinto falta. O café, as natas e todas as iguarias que temos deixam um pequeno vazio de vez em quando.
Do que é que sentirás falta, do local onde estás, se um dia fores para outro país ou regressares a Portugal?
Suponho que nos primeiros tempos vai-me custar um pouco a diferença a nível de espaço pessoal e de autonomia de horários, pois muito provavelmente voltarei durante uma temporada a casa dos meus pais, onde o horário de almoço e jantar é sempre o mesmo e o único espaço que realmente teria só para mim seria o quarto.
Os teus planos passam por voltar a Portugal?
Sim, sempre passaram. Já são seis anos fora de casa e cada vez mais as saudades são maiores. De momento preciso de algum tempo aqui para estabilizar aquilo que estive a construir até agora. Não sei como será a situação a nível de concertos e de voos depois da pandemia. Prefiro ficar num sítio onde posso chegar a qualquer ponto da Europa Central sem depender de aviões do que estar a ver o trabalho ficar estancado por cancelamentos de voos ou pelo preço destes. Também há aquele medo de voltar a Portugal, encontrar um trabalho estável, acomodar-me e parar artisticamente. Se há momento para arriscar, é agora.