Hoje decidi ir ver nascer o sol.
Braços de uma luz ainda débil espreguiçam-se por entre a serra negra e o céu azul. Lentamente uma franja de sol ofusca os olhos, e de repente ele nasce como uma criança do ventre da mãe natureza.
Os pássaros e toda a bicharada acordam. Das copas das árvores e dos ninhos sai uma chilreada sem fim, saudando o dia luminoso e quente. Debandam pelo céu fora sobre os campos verdes para os lados do rio à procura de água e comida. Com este afã começa o seu trabalho.
Comtemplo o céu, e o azul tem a transparência da água e é tão fundo que não lhe adivinho o fim. Por mais que prenda os olhos à lonjura, perco-me nesse desconhecido a que chamam infinito.
Passam bandos de estorninhos, de pardais, de pombos e pássaros que nunca vi, pássaros pretos de asas vermelhas. Estarei a sonhar? Eu sei desde criança que mesmo acordada, a natureza sempre nos convidou ao sonho. Mas não, são mesmo asas vermelhas ou então será o sol a dar-lhes de frente. Ou a ilusão a voar. A natureza anda muito estranha, e surgem por ali pássaros que há muito desapareceram e outros nunca vistos.
Os melros são à farta, mas esses voam rasos pelos campos fora. Não precisam de ir mais longe. Têm comida à mão de semear. Algumas carriças, pequeninas e redondas, empoleiradas na ramada, olham-me bem nos olhos, não sei se com estranheza ou simpatia. Pelo menos não se mostram assustadas.
Nos abetos, praguejam as pegas e os gaios numa linguagem estridente que destoa do chilrear ameno dos outros pássaros. Talvez seja um aviso, um alerta, um alarme porque de repente enxergo um milhafre a planar por ali, em voo ameaçador.
No bico da pereira, já a mostrar as peras criadas, os meus olhos dão com um pássaro azul, de papo cinzento, tão lindo e tão diferente que me pareceu um pombo-rolo ainda novinho. Mexia a cabecita, com o bico virado para o meu lado. Aproximo-me da grade do varandim para o ver mais de perto e ele desaparece. Fugiu, pensei. Sento-me de novo e volto a vê-lo poisado no bico da pereira. Repito o mesmo acto e novamente desaparece tornando a vir. Então assento bem os olhos na árvore e reparo que as folhas e os galhos desenham um pássaro azul, tão belo e tão estranho, o mesmo que eu via do meu lugar sentada. Uma brisa leve agita as folhas, e a luz, dando-lhe vida, faz com que se movimente e vire a cabeça para o meu lado.
Tive plena consciência da ilusão. Mesmo assim, voltei a sentar-me e passei a tarde a contemplar aquele pássaro azul no bico da pereira.