Quero ignorado, e calmo
Por ignorado, e próprio
Por calmo, encher meus dias
De não querer mais deles.
Aos que a riqueza toca
O ouro irrita a pele.
Aos que a fama bafeja
Embacia-se a vida.
Aos que a felicidade
É sol, virá a noite.
Mas ao que nada espera
Tudo que vem é grato.
Ricardo Reis
A cidade não é só um espaço físico. É um território onde vivem pessoas, pessoas com as suas vidas, com os seus relacionamentos, com as suas aspirações e problemas. E são inúmeros os estudos que atestam a correlação direta entre aquilo que a cidade é e oferece e o bem-estar geral dos seus habitantes. De modo que as cidades desempenham um papel determinante na felicidade da população. Mas, para que esse papel se cumpra é necessário adequar com clareza os serviços que a cidade disponibiliza às expectativas da sua população.
Antes de mais, os cidadãos devem sentir que a cidade lhes pertence e que ela responde às suas mais profundas necessidades e ambições. Por isso, do lado de quem tem que pensar e construir a cidade, enquanto espaço social, é necessário assumir, com coragem, aquelas ambições e necessidades como objetivo fundamental da governação. A importância que a saúde tem na qualidade de vida da nossa comunidade, os novos estilos de vida associados ao lazer e à prática desportiva, a procura do equilíbrio psíquico e social, são hoje desafios que se colocam aos governos locais. E só atendendo a todos estes eixos podemos caminhar no sentido de implementar uma cidade saudável, inteligente e ambientalmente sustentável.
A desigualdade socioeconómica (que não pode, nem deve ser camuflada, nem tão pouco ignorada) tem reflexos negativos e evidentes nos índices de saúde pública e bem-estar geral. Por isso, é cada vez mais vital que os decisores políticos coloquem na sua agenda, como prioridade, o desenvolvimento de ações que minimizem estas diferenças.
A prosperidade de uma cidade inclui o acesso à habitação digna, ao bem-estar, à educação e à cultura, e à saúde. Só satisfazendo estes eixos teremos comunidades fortalecidas, com níveis de educação, cultura e saúde que lhes permitirá fazer escolhas em liberdade, sem que os constrangimentos económicos ou sociais os tolham ou minimizem. Assim, contribuiremos, sem margem de dúvida, para elevar os tão desejados índices de felicidade local.
Quero acreditar que uma das condições para que alguém se dedique à política partidária é o seu desejo sério de contribuir para a melhoria das condições de vida das populações e não por encarar a política como uma carreira profissional.
Aos políticos de hoje colocam-se muitas e sérias questões para as quais, provavelmente, alguns não estarão preparados. Sobretudo, e mais do que nunca, é a dimensão social (e já não apenas a económica) que mais deve apelar ao sentido de missão de um político, porque como todos já tivemos oportunidade de sentir na pele, uma política orientada para as “contas e para o dinheiro” tende a deixar de fora as pessoas que devia servir e com as quais se devia preocupar.
Mas, infelizmente, nem sempre é assim e a forma ligeira como alguns políticos olham para a questão social, principalmente quando o que está em causa é o bem-estar dos seus conterrâneos e possíveis eleitores, é no mínimo reprovável, como reprovável é, também, vê-los a minimizar ou, mesmo, ridicularizar, medidas de carácter social que atenuam importantes desigualdades económicas, preferindo (como parece) privilegiar e perseguir ações de cariz festivo.
UMA CADEIRA NÃO É SÓ UMA SIMPLES CADEIRA!
Foi com estupefação que li, a dado passo da carta aberta da líder do PSD ao Presidente da Câmara, uma referência absolutamente displicente que visou ridicularizar a compra de uma cadeira de dentista para o centro de saúde.
O que é inquietante é o facto de não se tratar de uma gaffe cometida no calor de uma qualquer intervenção, mas sim de uma pensada e refletida análise vertida numa carta escrita.
E tudo isto é tão mais preocupante, quanto o facto de ficarmos a saber que esta é a visão que um político com responsabilidades tem para a sua cidade.
A um político pede-se que tenha visão, paixão, pensamento político, responsabilidade social e cultura cívica. E, claramente, todas estas caraterísticas estão ausentes da sua afirmação, principalmente, a cultura cívica. Basta, aliás, ver os comentários que instou nas redes sociais, para se perceber que a mensagem que passou foi a de que a iniciativa da cadeira de dentista é de somenos importância e pode ser ridicularizada, fomentando assim a formação de uma opinião pública enviesada e pouco esclarecida.
Contudo, apesar da cadeira de dentista não ser importante para a líder do PSD nem para os seus seguidores, ela é determinante na vida de todos os sanjoanenses que não podem pagar um dentista privado. Não ter a noção de que para uma grande parte da população de São João da Madeira a tal cadeira de dentista é mais importante do que a reconstrução de um qualquer moinho é de uma insensibilidade gritante e revela, no mínimo, um profundo desconhecimento da realidade social da nossa cidade.
A cultura cívica e o comportamento ético são cruciais para a criação de confiança interpessoal, e esta é um imperativo para se ser um bom líder e poder aspirar a governar os destinos da nossa cidade. Acredito que alguém que não entende esta realidade e que não tem como principal preocupação as pessoas e a devoção à causa pública, preferindo ações corporativas de efeitos imediatos, não cumpre os requisitos para ser governo nesta nossa cidade. Por tudo isto, não posso calar a minha profunda indignação. Uma coisa é a luta político-partidária. Outra coisa bem diferente é a saúde e o bem-estar dos sanjoanenses e a criação de condições para um acesso equitativo a bens de primeira necessidade, como a de poder ir a um dentista no centro de saúde. A falta de respeito por este princípio é revoltante.