Um Estado democrático não tortura, não assassina, não silencia

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Ihor Homenyuk tinha 40 anos; deixara a Ucrânia, a esposa, as filhas e os amigos para procurar trabalho. Aterrou em Portugal e foi assassinado às mãos do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF).

Foi brutalmente espancado e abandonado numa sala isolada do aeroporto de Lisboa que, sabe-se agora, era muitas vezes usada para este efeito. O mandato de detenção emitido pelo Ministério Público não deixa margem para dúvidas: “os pontapés e pancadas que provocaram a fratura dos arcos costais, potenciados pela imobilização do ofendido, com os braços manietados nas costas, em posição de decúbito ventral, causaram a violenta constrição do tórax, que promoveu a asfixia mecânica que foi a causa direta e necessária da morte”.

Depois do espancamento, os inspetores ainda gracejaram. Um disse “Agora já está sossegado”, outro lançou a piada “Hoje já nem preciso de ir ao ginásio”.

Ihor foi torturado e assassinado em Portugal por inspetores de uma força policial. Os inspetores avisaram possíveis testemunhas que o que se passara ali não era para ninguém saber e tentaram encobrir o homicídio deste cidadão ucraniano. Um Estado de direito democrático não é isto.

O caso de Ihor é do mais brutal e hediondo que aconteceu nas instalações do SEF, mas as queixas são várias e reiteradas: associações de imigrantes queixam-se de violência, isolamento de pessoas e desrespeito pelos direitos básicos como, por exemplo, acesso a um advogado ou direito a fazer um telefonema. A provedora de Justiça já denunciou o facto de no Centro de Instalação Temporária de Lisboa os telefones não funcionarem, os imigrantes ficarem impedidos de contactar com o exterior e existirem casos de imigrantes em isolamento durante várias semanas.

É um sítio sem lei onde não se respeita o mais básico dos direitos e, como se sabe agora, os inspetores acham que podem usar a violência com total impunidade. Não podem! Portugal é uma democracia e tem lei. E não podemos tolerar que haja locais que são alçapões a essas leis, onde é permitido deter sem qualquer acusação, manter em isolamento, violentar, torturar ou assassinar.

O Estado e as suas instituições devem repudiar por completo estas situações e garantir que não há possibilidade de voltarem a ocorrer, afastando quem as consentia e desmantelando as condições que as proporcionavam. Mas durante meses muitos representantes do Estado esperaram que a situação desaparecesse por si para não terem de fazer o que quer que fosse.

A diretora do SEF só foi afastada agora, 9 meses depois (!), e depois de se lhe garantir uma outra colocação; até a transladação do corpo do cidadão assassinado ficou ao cargo da famílias (e só com a polémica pública é que o Governo  se dignou a dizer que iria avançar com uma indemnização à família da vítima). Pelo que se sabe, telefonemas de condolências à família também não existiram.

É uma situação intolerável. Um Portugal democrático não pode conviver com isto: com assassinatos arbitrários às mãos de forças policiais e pezinhos de lã a ver se as águas não se agitam muito.

Este é precisamente daqueles casos em que as águas se devem agitar muitíssimo: para o Ministro da Administração Interna, que deve ser demitido, e para todos os que ao longo de anos promoveram ou foram coniventes com estas e outras práticas de violência, que devem ser responsabilizados criminalmente.

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