O desporto vive momentos de incerteza. A pandemia fez de 2020 um ano atípico e as restrições impostas, que levaram à redução e ao cancelamento ou adiamento das competições, retirou o público das bancadas que, desde então, têm estado praticamente desertas, mas é a formação que mais tem sofrido com as limitações que visam travar a propagação do vírus da Covid-19. Desde março que os campeonatos estão suspensos e os efeitos desta paragem forçada não se refletem apenas nos clubes, mas em milhares de jovens que, desde então, se viram privados de competir na sua modalidade de eleição.
Com apenas uma freguesia, S. João da Madeira é o município mais pequeno do país, mas enorme no que diz respeito à atividade desportiva. São diversas as modalidades fomentadas nas dezenas de coletividades do concelho que albergam quase 2.000 jovens desportistas federados e que há cerca de 10 meses estão privados de competir. Uma paragem extremamente prolongada e que também tem contribuído para que muitos deixem a atividade física. “Infelizmente dezenas de atletas abandonaram o desporto e as regras tomadas nem sempre têm sido as melhores ou que melhor defendem os jovens e a atividade física que tanto necessitam”, sublinha Élio Almeida, coordenador do futebol de formação da Associação Desportiva Sanjoanense, o clube de maior dimensão da cidade e que mais atletas movimenta nas diversas modalidades que dispõem.
As limitações na atividade desportiva duram há vários meses, mas é a desmotivação que mais preocupa os responsáveis, nomeadamente pela ausência de competição, situação que para Pedro Ribeiro, responsável pela secção de hóquei em patins do clube alvinegro, pode ter “consequências desastrosas”. “Muitos vão desistir enquanto outros não têm motivação e o clube não vai conseguir formar atletas novos e isso vai-se refletir daqui a alguns anos”, sublinha o dirigente, que reconhece a necessidade de haver restrições, mas “não uma paragem por completo”. “Provavelmente serão anos de trabalho que vão por água abaixo. 10 meses é demasiado tempo sem competição”, frisa. José Pedro Silva, que lidera o andebol da Associação Desportiva Sanjoanense, também reconhece que a “assiduidade é ridícula” e que os atletas mais persistentes, ainda assim, irão ter um “ano perdido”. “Atualmente os jovens fazem pouco mais do que manutenção física. Vão ter um retrocesso das capacidades que foram desenvolvendo”, refere o dirigente, que apesar de reconhecer que pouco mais podem fazer, recusa-se a cruzar os braços. “Não são só os clubes que estão no limite da sua capacidade financeira. O sector que engloba os ginásios também está no limite e, com certeza, irá levar a muitas insolvências. Porque não criar um programa em que fosse atribuído um subsídio que permitisse a todos os atletas federados frequentar os ginásios durante a manhã. Os miúdos nunca têm o horário cheio e faziam trabalho individual”, sugere José Pedro Silva.
Élio Almeida sublinha que a prioridade tem passado sempre por seguir as recomendações da Direção Geral de Saúde (DGS) e depois de em agosto se terem dado início aos treinos de pré-epoca em novembro o futebol de formação do clube alvinegro optava por suspender a atividade até final do ano, numa altura em que ainda não se vislumbra o regresso da competição nos escalões jovens. “A motivação é pouca. Com tantas regras não conseguíamos treinar de uma forma normal e sem jogos marcados os atletas não têm a mesma alegria”, refere o coordenador, destacando o papel preponderante dos treinadores para que os jovens “não desanimem e se mantenham focados”.
Paulo Moreira, presidente do Dínamo Sanjoanense, teme que este ano esteja perdido ao nível da formação e reconhece que “tem sido muito difícil motivar atletas e agentes desportivos”. “A falta de competição, condicionalismos e incerteza quanto ao futuro mexe com todos psicologicamente e fisicamente”, sublinha o dirigente.
São vários os benefícios associados à prática desportiva que a pandemia veio colocar em causa. É precisamente isso que Rita Veloso, responsável pelo Clube A4 – Escola de Ginástica de S. João da Madeira destaca. “Está-se a desvalorizar um ponto fundamental, o bem estar das crianças e jovens que acreditamos vir a ter repercussões gravíssimas a vários níveis, como saúde, sedentarismo, adição aos vídeo jogos, falta de partilha, falta de socialização e sentimento de pertença a uma equipa/grupo ao qual se identificam, falta de competição e de autonomia, desmotivação, desistência precoce do desporto, insegurança e falta de auto estima, entre outros”, explica a dirigente. João Antunes, responsável pela secção de basquetebol da Sanjoanense, também considera que as “consequências futuras poderão ser mais nefastas” e dá como exemplo a obesidade que pode resultar da interrupção da atividade física.
Proteger a saúde em prol do desporto
Em março, com a situação pandémica que se vivia e com o intuito de conter a propagação do vírus, todas as competições desportivas eram suspensas. A I Liga de futebol ainda regressou para concluir a época 2019/2020, mas todas as outras competições, bem como as restantes modalidades, viram a temporada dada como encerrada sem que se disputassem as jornadas em falta. Na nova época (2020/2021) as competições seniores regressaram à normalidade possível, ainda que sem público nas bancadas, mas os escalões de formação continuam suspensos e ainda sem data prevista para o seu regresso. “Percebe-se que as medidas tomadas são as mais fáceis, mas, infelizmente, não foi ouvido quem realmente deveria ter sido, nomeadamente pessoas ligadas ao desporto, que andam no terreno e percebem que não seriam necessárias regras tao apertadas”, esclarece Élio Almeida, para quem o “desporto está a ser completamente desvalorizado”. Para João Antunes trata-se de uma questão de “saúde pública” e para o dirigente as medidas tomadas pelas entidades competentes “visam proteger a saúde dos atletas”. “Para mim isso é o mais importante e sobrepõe-se a todas as necessidades e vontades clubísticas”. Opinião partilhada por Paulo Moreira, presidente do Dínamo Sanjoanense, para quem a “prevenção é a melhor opção”. Aquela que é uma das melhores escolas de futsal do distrito de Aveiro também optou pela suspensão de todos os treinos ao nível da formação, mas o dirigente mostra-se confiante que janeiro poderá marcar o regresso a alguma normalidade. “Se não pudermos ter competição será uma época de contenção e, infelizmente, de pouca evolução”.
Pedro Ribeiro, responsável pelo hóquei em patins alvinegro, destaca ainda as repercussões financeiras que afetam os clubes, muitos dos quais dependentes dos escalões de formação e que poderão estar em risco de fechar portas ou levar à extinção de algumas modalidades. “Os clubes não vão aguentar as despesas. Isto é muito penoso para quem está à frente dos destinos dos clubes”, destaca o dirigente, tal como João Antunes, que considera que está em causa a “viabilidade financeira” das associações. “As restrições e paragens criam apreensão aos patrocinadores e apoiantes das modalidades”, frisa o responsável pelo basquetebol alvinegro.
Para Rita Veloso foi altura para, de certa forma, o Clube A4 – Escola de Ginástica de S. João da Madeira se reinventar. “Em março vamos ter uma surpresa e queremos acreditar que em julho iremos realizar a nossa habitual gala de final de época. Temos reuniões mensais com a equipa técnica e há sempre vontade e ideias para os motivarmos com atividades menos competitivas, mas que fazem com que sintam que estão a trabalhar para uma finalidade, um objetivo comum. Isso é importante no nosso entender. Não podemos estagnar e cruzar os braços e achar que não dá para fazer nada! Dá sempre. E assim mostramos aos atletas que ser resiliente é uma virtude num desportista”.