Entregar o estacionamento a privados: quantas vezes vão insistir no mesmo erro?

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A Câmara Municipal de São João da Madeira lá decidiu lançar um concurso para uma nova concessão para a exploração do estacionamento na cidade. Trocando por miúdos, aprovou a entrega do espaço público a um qualquer privado para que este explore e cobre o estacionamento na cidade.

Como mandam as regras, o anúncio deste negócio tinha de ser esfuziante. O Executivo tinha de mostrar que entregar o espaço público ao negócio privado seria uma coisa muito moderna e uma imensa oportunidade para o desenvolvimento do concelho.

Nada melhor do que a tecnologia para enfeitar de luzes brilhantes mais uma concessão. É que, pelos vistos, com esta concessão, o estacionamento vai poder ser pago com tecnologia contactless ou até mesmo com uma app a partir de um qualquer smartphone.

O problema é que a novilíngua da tecnologia com que o negócio foi apoteoticamente anunciado esconde, afinal, três coisas:

1) Não é preciso entregar o espaço público a um qualquer privado para entrar nesse fantástico mundo da tecnologia ao serviço do pagamento do ticket de estacionamento. Apps para pagamento de estacionamento já existem há muito; por exemplo, a empresa municipal de Lisboa já a utiliza faz tempo;

2) No nal de contas, há estacionamento que vai ficar mais caro e haverá mais ruas com estacionamento pago (mais cerca de 100 estacionamentos pagos, agora também nas Ruas do Calvário, Gago Coutinho, Sacadura Cabral, da Liberdade, Eça de Queirós, Dr. Sera m Leite, do Barroco, Visconde, da Igreja, do Dourado, Oliveira Júnior e 5 de Outubro). Ou seja, este negócio brilhante pesará mais nos bolsos dos sanjoanenses. É que mesmo pagando através de uma app é sempre do nosso bolso que sairá o dinheiro que proporcionará o lucro ao privado que estará a explorar um espaço público, que é nosso por direito.

3) A concessão do estacionamento já provou ser um erro e já deu asneira. Aqui e noutros concelhos. Então porquê insistir, uma e outra vez, no mesmo erro? Porquê insistir nesta obsessão de entregar à gestão privada o espaço público quando a gestão privada tem sido altamente lesiva do interesse público? Repare-se na nota da própria Câmara Municipal de São João da Madeira sobre assunto. Diz a Câmara Municipal que antes de lançar o concurso para a nova concessão vai terminar a atual concessão porque ela tem registado prejuízos operacionais superiores a 100 mil euros anuais; acresce que para terminar a atual concessão a Câmara ainda vai ter de pagar 250 mil euros ao atual concessionário. Dito isto, qual é, então, a solução do Executivo? Fazer uma nova concessão exatamente para a mesma coisa! É incompreensível.

O problema não está numa concessão específica, está no modelo em si, está na privatização do espaço público, na sua entrega a um privado para realização de lucro à custa do estacionamento. No município aqui ao lado, em Santa Maria da Feira, a concessão do estacionamento a uma empresa privada já resultou numa dívida de quase 1 milhão de euros ao município (parte dela já não será recuperada porque a Câmara decidiu perdoar cerca de metade da dívida). Por muitos anúncios e promessas que se façam na altura da concessão, a triste realidade é sempre uma: entrega de bens ou de espaço público a privados, entrega de funções que devem ser públicas a privados, dá sempre mau resultado e costuma vir com uma fatura grande que será inevitavelmente paga com o dinheiro público.

É preciso haver regulação do estacionamento na cidade? Uma regulação do próprio trânsito, incentivando o uso do transporte público em detrimento do transporte privado, privilegiando o estacionamento em determinados locais em detrimento de outros? Sem dúvida. É preciso tudo isso. A questão é que isso são funções da Câmara Municipal, são medidas que devem resultar do interesse público das mesmas. Não são funções ou decisões que se deleguem num qualquer privado.

A Câmara Municipal e o Partido Socialista que a governa já deviam saber isto, mas nunca é demais lembrar: a gestão pública tem como objetivo o interesse coletivo e o bem público, a gestão privada tem como finalidade a realização de lucro para remunerar os donos ou acionistas da empresa. O que queremos para a gestão do espaço público em São João da Madeira? Que seja norteado pelo bem comum ou pelo lucro como finalidade absoluta?

A resposta não é difícil. Pelo bem comum, claro. Acontece que a Câmara Municipal está a dar a resposta exatamente contrária.

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