O Labor publicou na semana passada uma entrevista com a Presidente da Junta de Freguesia que é bastante esclarecedora.
A entrevistada faz uma espécie de balanço antecipatório de fim de mandato, antecipando o termo de oito anos de exercício do cargo. Porém, nisto ficou aquém do que se esperaria, são muitas as afirmações de auto-estima e poucas as referências ao trabalho realizado (talvez pelo excesso daquela e escassez deste).
Mas a peça é esclarecedora porque permite compreender o que se passou com o mito da “transferência de competências para a Junta” e da demissão de militante do PS da Dra. Helena Couto, clarificando o entender da própria sobre o exercício de cargos políticos e a militância num partido.
A transferência de competências
Falar-se genericamente, e sem referência a questões concretas, da necessidade de transferir competências da Câmara Municipal para a Junta não faz nenhum sentido, e muito menos o faz nos termos em que a Presidente da Junta coloca a questão.
É significativo que a entrevistada, em momento nenhum, se refira a uma área de actuação dizendo que os sanjoanenses estão a ser mal servidos pela Câmara Municipal e ficariam melhor se essa área passasse para a competência da Junta. Não é dito em que área a Câmara está a prestar um serviço desadequado ou ineficiente, nem é dito como poderia a Junta fazê-lo melhor. A única motivação que está por trás da caprichosa reivindicação é uma mera motivação própria de poder ou de ganho de relevância e visibilidade pessoal. Esta exigência de competências não se motiva pela nobre intenção de servir melhor os sanjoanenses e de forma mais eficaz e económica – sobre isto não se lê nada na entrevista.
A Lei das transferências de competências para as Juntas foi feita para que os cidadãos que residem em freguesias muito afastadas das sedes de concelho possam ser servidos de forma mais rápida e que lhes crie menos transtornos (por exemplo, para obter uma licença de esplanada num café em Macieira de Sarnes, ou para montar banca num mercado, é muito mais fácil ir tratar do assunto à Junta de Macieira do que ao Município em Oliveira de Azeméis). Esta lei não traz nenhuma vantagem ou economia no caso do nosso concelho. Obrigaria à duplicação de estruturas administrativas e à perda de coordenação entre as valências municipais. Por isso, a questão colocada pela Dra. Helena Couto evidencia ter por base apenas um interesse de protagonismo, não os interesses dos sanjoanenses.
Relevante é a passagem em que a Presidente da Junta refere que teve uma desilusão pessoal porque pensava que ia ter outro acolhimento à sua pretensão, pois o Presidente da Câmara também era do PS. Isto demonstra que a Dra. Helena Couto pensa que nos órgãos autárquicos as decisões se tomam em função da cor política dos destinatários – nada mais errado! O Presidente da Câmara tem a obrigação de se relacionar com a Presidente da Junta precisamente do mesmo modo, quer esta seja do PS, do PSD ou do MRPP: sempre no interesse da população e com sentido institucional.
Se a entrevistada julgava que, por ser do PS, iria ter uma transferência de competências ineficiente, só porque isso interessava ao seu projecto pessoal, é natural que tenha ficado desiludida.
Pode-se achar – como eu acho – que nunca como neste mandato a Junta de Freguesia foi tão apoiada pela Câmara em acções correctas e que resultaram efectivamente em melhor serviço para os sanjoanenses: como o revelam a disponibilização de novas instalações da Junta em local condigno e nobre, a entrega à Junta, a título completamente gratuito, de um novo autocarro que custou 250 mil euros e a instalação e equipamento de um novo centro de medicina de reabilitação, todas estas medidas atribuindo à Junta meios importantes de protagonismo e de acção eficaz junto da população. Mas, como todos sabemos, o nível de satisfação pessoal também depende do nível dos nossos caprichos.
Militar num partido, ou sair dele
As razões que se apresentam para abandonar a militância de um partido esclarecem decisivamente as razões pelas quais a ele se aderiu.
A inscrição como militante de um partido deve basear-se na adesão aos princípios que constam da sua carta programática e à vontade de contribuir activamente para que eles sejam mantidos e traduzidos em políticas melhores para a nossa sociedade. Enquanto esses princípios não mudarem e nós não mudarmos de princípios, permanecem as razões para nos mantermos como militantes. Mesmo que discordemos da prática do nosso partido, porque achamos que não corresponderá à melhor aplicação dos princípios, nós mantemo-nos nele, com a obrigação de lutar internamente para que as trajectórias se corrijam, com ou sem mudança de protagonistas. Se entramos por adesão a princípios, saímos se esses princípios forem alterados.
Mas quando nos desvinculamos de militantes de um partido porque ele não toma as decisões que correspondem aos nossos interesses pessoais (no caso, a caprichos de protagonismo ou vontade de poder), então fica claro e bem esclarecido que só tínhamos aderido ao partido por causa disso, e não porque acreditamos, no caso do PS, em lutar pelos princípios da liberdade e do socialismo democrático, de construir gradualmente uma sociedade justa e solidária. Quem aderiu ao PS episodicamente para conseguir um objectivo pessoal, é natural que saia do PS quando percebe que o partido não actua nas instituições em função dos interesses dos seus apaniguados, gerando-se a desilusão.
É de saudar, pois, a clarificação.