Em S. João da Madeira, o ambientalista Paulo Magalhães defendeu o reconhecimento jurídico do sistema terreste como património comum da humanidade
Depois de ter sido interrompido devido à pandemia, o ciclo de conferências Pensar Futuro, promovido pelo Município, regressou este último sábado, em formato online, com transmissão nas plataformas Zoom e Facebook.
O jurista, investigador e ambientalista Paulo Magalhães foi o convidado para esta sessão – transmitida a partir da Casa da Criatividade – ao longo da qual foi feita uma reflexão em torno da necessidade de um estatuto jurídico para o clima. Aliás, Paulo Magalhães é o diretor-geral da Casa Comum da Humanidade, uma associação internacional com sede na Universidade do Porto (UP), que propõe uma nova construção jurídica global baseada nos novos conhecimentos sobre o funcionamento do sistema terrestre.
“Estamos um bocadinho a nadar na maionese”, avisa o ambientalista
Em S. João da Madeira, o também professor da Faculdade de Direito da UP começou por avisar que “na questão ambiental, sobretudo na questão do clima, que é a questão ambiental social, “estamos um bocadinho a nadar na maionese”. Em seu entender, “estamos a tentar remediar uma situação sem a querer alterar [verdadeiramente]. Há aqui um problema estrutural e tudo o que façamos sem ser mexer na estrutura são arranjos”. Paulo Magalhães disse mesmo que “não é com esquemas de menos emissões de CO2 que a gente vai lá chegar”.
Na sua opinião, “a nossa Casa Comum não é o Planeta, mas sim um sistema terrestre a funcionar em bom estado”. Trata-se de “condições biogeofísicas”, que não existem nos outros planetas e que se não forem reconhecidas pelo Direito o quanto antes estão em risco. “O essencial deste Planeta é invisível para o Direito e ao ser invisível para o Direito é invisível para a Economia e para as sociedades humanas”, sendo, na sua ótica, aqui que reside o perigo.
Neste momento, continua-se “a olhar e a conceber o Planeta do ponto de vista jurídico como um [mero] território”, o que não pode acontecer por muitos mais anos. Paulo Magalhães chamou a atenção para que, se não houver uma mudança de visão, “o Planeta vai continuar com o sistema terrestre a funcionar de outra forma, mas que isto provavelmente não nos será favorável [à espécie humana]”.
Associação pretende que ONU reconheça o sistema terrestre como Património Imaterial Natural da Humanidade
A Causa Comum da Humanidade eleva a noção jurídica de “condomínio” a um nível planetário, envolvendo cientistas, juristas, economistas e órgãos de soberania. Esta associação coordenada por Paulo Magalhães pretende que a Organização das Nações Unidas (ONU) reconheça o sistema terrestre como Património Imaterial Natural da Humanidade e que os Estados, de modo articulado, trabalhem no controlo do espaço de segurança ambiental e na construção de indicadores científicos que avaliem, global e continuamente, o sistema terrestre.
De acordo com o investigador, “o grande passo é mesmo aceitar que temos um bem comum sem fronteiras, que é intangível e por isso não é ameaçador da soberania”. “O primeiro objeto da governança global devia ser o sistema terrestre, o ‘software’ comum. Não estamos a falar de território, mas de bens intangíveis, de emissões que circulam, de ciclos biogeofísicos, que não são territórios”, reforçou a ideia.
Na sociedade atual, “o que conta para a economia depende do que considerarmos que tem valor. Se dissermos que o que tem valor são os serviços intangíveis que as florestas prestam e os ecossistemas, ‘caramba’, pomos a economia a recuperar ecossistemas”. Para “mudar isto tem de se ter por detrás um suporte jurídico que é a condição básica para qualquer ação humana coletiva”. Mas, segundo o ambientalista, “como o comum não existe andamos a enganar uns aos outros, a fazer de conta que vamos reduzir as emissões”.
“Só que como é que andamos há 30 anos a tentar reduzir as emissões e [mesmo assim] não conseguimos?”, deixou no ar a questão.
Pensar Futuro com Alexandre Quintanilha este sábado
No próximo dia 6 de março, pelas 17h00, é a vez de Alexandre Quintanilha participar como convidado do ciclo de conferências Pensar Futuro também também com transmissão online.
Caberá a este deputado à Assembleia da República, onde preside à Comissão de Educação e Ciência, fechar a edição iniciada em 2020, em parceria com Lisboa – Capital Verde Europeia, e que tem como tema o Ambiente.
Note-se que, mesmo no formato digital, as sessões mantêm uma das suas vertentes principais que é a possibilidade de o público colocar questões, agora à distância. Já o mesmo aconteceu na conferência dada pelo jurista Paulo Magalhães este último sábado.