A frase é do poeta Fernando Gullar, mas podia ser de todos os poetas. Não foi à toa que José Fanha e Fernando Alves falaram sobre o dom que é alguém estar disponível para ser surpreendido sempre que se depara com algo, alguém e até consigo próprio. O que é preciso é pousar o olhar sobre o que nos rodeia. E assim era Fernando Assis Pacheco, um homem eternamente pasmado com a vida. O jornalista, crítico e tradutor foi o poeta homenageado no Poetizando deste ano da Poesia à Mesa que contou com a participação do comissário do evento José Fanha e do radialista Fernando Alves. Fernando Assis Pacheco era “uma figura incontornável. Tinha sempre histórias fabulosas, saborosas que duravam horas. Ria com a cara toda”. “Era um poeta em cada gesto. Era um erudito sem armar ao pingarelho. Quando abria a boca ficávamos derreados dentro daquele caudal de vida vivida”, recordou o autor do programa “Sinais” e editor das manhãs da TSF. Fernando Assis Pacheco foi “daquelas pessoas que passaram pela nossa vida e deixou uma experiência fantástica”, completou José Fanha. O poeta homenageado viria a falecer cedo demais e de forma repentina junto a uma livraria que frequentava assiduamente. Eternas vão ser para sempre as suas palavras em notícias, em programas, em livros e em canções. Duas delas bem conhecidas do público. “Nini” de Paulo de Carvalho e “Como Hei-de Amar Serenamente (com tantos amigos na prisão)” de Adriano Correia de Oliveira.
“Não devemos esquecer o que tínhamos e o que devemos voltar a ter”

Uma das novidades desta edição foram as Vanguardas Poéticas que juntaram no mesmo espaço o também comissário do evento Paulo Condessa, a cantora Ana Deus e o pianista João Paulo Esteves da Silva. Um momento em que foi possível ver várias facetas da poesia. Entre os poemas escolhidos para ser lidos e interpretados pelos artistas, acompanhados de som e de vídeo, destaque para dois. “O Ministro” de Adelaide Ivánova por chamar atenção para uma Europa e um mundo fechados e pela “forma como isso é absurdo”. E “Talvez esteja na hora de garantir um lugar na lua” de Marina Colasanti por ser um aviso sobre o contexto em que atualmente vivemos, no qual somos confrontados com uma pandemia que impõe regras que implicam a perda de liberdades. “Não devemos esquecer o que tínhamos e o que devemos voltar a ter”, referiu Ana Deus.
A Peregrinação Poética foi o evento que mais sofreu com a adaptação de toda a programação ao formato online. Desta vez, os grupos foram mais reduzidos e o encontro entre os elementos foi à distância com cada um em sua casa. Também o público não se juntou à entrada da Biblioteca Municipal Dr. Renato Araújo para dar início à Peregrinação Poética. Os grupos Fugas Poéticas e Associação Cultural Luís Lima juntaram-se num só para homenagear o poeta Fernando Assis Pacheco; o TOJ – Teatro Oliveira Júnior leu poemas de Mário Henrique Leiria; o A Bem Dizer, um grupo de professores da escola Oliveira Júnior, estreou-se com a poeta Mafalda Veiga; também a CERCI interpretou a cantautora homenageada; as palavras de Andreia C. Faria ganharam forma com a performance da Oficina de Artistas da Associação de Jovens Ecos Urbanos; Soror Violante do Céu renasceu com os alunos da Universidade Sénior; e Herberto Helder com a já marca distinta de declamação da APROJ.
“Se eu fosse a tua pele. Se tu fosses o meu caminho. Se nenhum de nós se sentisse nunca sozinho”

Nesta edição da Poesia à Mesa o Serão Poético foi transformado numa Matiné Poética. A convidada foi a autora, cantora e poeta Mafalda Veiga com quem os comissários do evento conversaram sobre diversos temas e até cantaram “Gotinha de Água”. “Uma das mais belas canções alentejanas”, afirmou Mafalda Veiga, recordando o Alentejo, de onde é natural, como a “paisagem” do “amor” e da “união” de uma família muito grande que foi preservada na sua memória. Por isso, “o Alentejo é a totalidade da vida. Uma memória de infância em que estávamos todos vivos”, relembrou a cantora que momentos antes deu voz à canção “Fragilidade” e às palavras de que “é tudo fugaz e tão breve”.
Pelas “Tatuagens” chegamos à mensagem “eu sou igual a ti. Tu és igual a mim” para combater o estigma da diferença e da discriminação entre homens e mulheres e em relação às pessoas com deficiência. “É uma batalha que temos que continuar a combater”, considerou Mafalda Veiga.
A partir de uma outra canção, “Cúmplices”, chegamos às palavras “se eu fosse a tua pele. Se tu fosses o meu caminho. Se nenhum de nós se sentisse nunca sozinho”. “Acho que temos sido cúmplices nesta fase estranha que estamos a passar”, constatou a cantora.
Dos diversos poemas lidos pelos comissários e pela convidada, destaque para os de Filipa Leal e Francisca Camelo, as únicas poetas portuguesas nomeadas para o Prémio Oceanos 2021. Depois de “4:40” de Francisca Camelo por José Fanha, ouvimos “O Quadro do Futuro” de Filipa Leal por Paulo Condessa. Um poema particularmente tocante nos dias que correm pelas palavras de esperança de que “havemos de ir ao futuro e, no futuro, estará finalmente tudo, como dantes”.

Exposição de Arte Contemporânea e Arte Bruta “Imagens, Signos e Escrita nas Coleções do Centro de Arte Oliva” até 15 de setembro

Exposição bibliográfica sobre os poetas homenageados na Biblioteca Municipal Dr. Renato Araújo até 31 de março

As Curtas Poéticas tiveram um registo diário com as performances poéticas de Paulo Condessa e do duo “Dois Líricos”

A poesia vai à escola chegou aos alunos dos 1º, 2º, 3º ciclos e secundário

A gravação dos trabalhadores a declamar poesia permitiu voltar a levar a poesia até às fábricas

O concurso “Poesia na Corda”, organizado pela Associação de Jovens Ecos Urbanos e Biblioteca Municipal Dr. Renato Araújo, anunciará brevemente os seus vencedores