Um perfume doce paira no ar à medida que nos aproximamos. Entrelaçadas na vedação dos muros, as glicínias deixam cair os seus cachos de um azul lilás, baloiçando ao sabor do vento leve de Abril. Perfumam o ar, atapetando os caminhos de pequeninas flores que delas se desprendem. A Primavera traz um mar de cores e aromas. As aleluias de pétalas muito brancas e delicadas, as trepadeiras, os jarros e uma infinidade de lírios roxos, amarelos e brancos, traçados de flores de jardim e bravias, estendem-se ao longo dos regos, sorvendo a água da mina, prenhe da força incontrolável que o rigoroso Inverno pôs no ventre da terra.
Os amores-perfeitos, as sardinheiras e os trevos pintam as beiradas de cores mais garridas, desafiando o azul pálido das violetas bravias. O alecrim florido atrai as borboletas. O feno foi-se. Só um tufo escondido solta o cheiro a seiva fresca, um cheiro que já ninguém mais sabe cheirar. Alguns morangos silvestres e a sargacinha espreitam no meio da erva. Que saudade da sargacinha a bordar de azul a toalha branca da Páscoa dos pobres! Um combro é um jardim, uma pintura naïve. Num combro há um ninho que nasce. Um combro é um ninho de vida.
Deleitam-se os olhos na verdura dos campos, nas árvores abrindo os braços floridos ao sol, nas ramadas a começar de soltar os talos verdes pelos arames fora. Voam para lá do rio que vai manso por entre choupos e amieiros. Os melros regressam. O papo-amarelo e o chincharravelho irrequieto saltam de galho em galho numa cantoria pegada. A Primavera entrou de rompante e apesar de algum frio, ela vem aí desenfreada. Aguenta-se bem e não se cansa. Passa como um anjo de asas brancas, num vaivém de esperança e do dia para a noite a natureza é quase irreconhecível.
Sobre o caramanchão, uma glicínia abraça a nespereira com tanta força e ternura que não se distinguem as árvores. Vê-se apenas uma copa azul lilás deixando cair os seus cachos floridos e perfumados por entre folhas verdes alheias, numa tal harmonia que parece uma só árvore.
Nada mais belo do que sentir a vida de um dia no meio dos campos, deixando que a natureza abrace o corpo e circule nas veias feita seiva ou sangue, misturando as águas da existência num mar de serenidade.
Sentir no abraço o perfume das glicínias, o sol a brilhar, a sede da água, do amor, o sopro da vida, a sede do nada que tudo afaga.