“Foi a primeira vez que ouvi uma multidão gritar: liberdade, liberdade!”, recordou o fotógrafo, durante a inauguração, na Torre da Oliva
Um conjunto de 60, de cerca de 600, fotografias tiradas por Alfredo Cunha no dia 25 de Abril de 1974 estão expostas em três salas da Torre da Oliva em S. João da Madeira. Passados 47 anos, muitas delas são apresentadas pela primeira vez em “A Liberdade passou por aqui”. Uma exposição organizada pelo Centro de Arte de S. João da Madeira, juntamente com a Câmara e Assembleia Municipais. “É um privilégio poder estar aqui a apresentar muitas fotografias inéditas do 25 de Abril”, afirmou Alfredo Cunha. “Lembro-me de estar no Terreiro do Paço, na Câmara Municipal de Lisboa, no Largo do Carmo, na Baixa, na PIDE, lembro-me de tudo, mas não me lembro das viagens. É estranho”, assumiu o fotógrafo, revelando que até hoje “há uma coisa de que me lembro perfeitamente. Foi a primeira vez que ouvi uma multidão gritar: Liberdade, Liberdade!”. Apesar das suas fotografias mostrarem um 25 de Abril “pacífico”, “existe uma tensão no ar”. Um desses momentos foi quando José Alves Costa, cabo apontador que chegou ao Terreiro do Paço dentro de um blindado M47 para defender o regime de Marcello Caetano, desobedeceu às ordens de abrir fogo contra a coluna de Salgueiro Maia, que descera de Santarém para ocupar o centro do poder e derrubar a ditadura.

Neste reencontro entre o Alfredo de Cunha de então, um jovem fotógrafo de apenas 20 anos que sonhava fotografar como os membros da agência Magnum, e o de agora admitiu sentir alguma angústia quando pensa que poderia ter feito um trabalho diferente se fosse um fotógrafo mais experiente. Também assumiu o dia 25 de Abril de 1974 como aquele que “foi provavelmente um dos dias mais felizes da nossa vida”. “As pessoas não imaginam como era indescritivelmente mau viver em Portugal antes do 25 de Abril. Um país paupérrimo, sem liberdade, com uma política abjeta, uma política colonial miserável…”, recordou Alfredo Cunha. Embora seja um dos mais conceituados fotojornalistas portugueses, tendo fotografado a descolonização, a queda do comunismo de países de leste, a guerra no Iraque, vai ser para sempre o fotógrafo do 25 de Abril. “Sou ´prisioneiro´, mas com muito gosto, do Salgueiro Maia e do 25 de Abril”, frisou Alfredo Cunha.
Fotografias em formato nunca antes visto passam a ser espólio do Município
A partir de negativos originais de 35 milímetros, as fotografias foram digitalizadas em “scanner-tambor” e depois sujeitas a impressões em PVC de 60 por 80 e de 90 por 120 centímetros. A ideia de recuperar parte deste arquivo em formatos nunca antes vistos foi de Aníbal Lemos, diretor do Centro de Arte de S. João da Madeira, que tinha planeado um ciclo de exposições sobre fotografia de reportagem que seria iniciado precisamente com Alfredo Cunha.
Aníbal Lemos, também fotógrafo e docente na IADE – Faculdade de Design, Tecnologia e Comunicação da Universidade Europeia, é curador de “A Liberdade passou por aqui”. Uma exposição que organizou tal como aconteceu o 25 de Abril. “Ele teve a primeira galeria de arte gráfica em Portugal, no Porto, e é um fotógrafo que tem um conhecimento fotográfico e histórico muito importante”, chamou à atenção Alfredo Cunha.

A primeira parte da exposição remete ao Terreiro do Paço, a segunda ao Chiado e a terceira ao Largo do Carmo. Em cada uma das fotografias “é bem visível que o Alfredo se pôs ao lado do 25 de Abril”, indicou Aníbal Lemos, considerando que o grande formato aproxima da “ação” daquele dia e “a densidade do preto e branco leva a percecionar tudo o que estava a acontecer”.
Esta exposição “é um grande acontecimento cultural, cívico e político muito importante para S. João da Madeira e para o país”, salientou Jorge Sequeira, anunciando que “a partir de hoje (25 de Abril) todas estas fotos são espólio do nosso Município”. A propriedade autoral continua a ser de Alfredo Cunha, mas as fotografias passam a ser parte integrante do espólio da Câmara Municipal de S. João da Madeira que suportou o custo da sua impressão no valor de cerca de 5.000 euros.
Daqui em diante, estas fotografias são “um importante património e uma importante ferramenta para mostrar às escolas, às instituições e, caso solicitem, para ceder a localidades vizinhas” sempre com o objetivo de “espalhar a mensagem de Abril”, vincou o presidente da câmara, concluindo que cada uma destas fotografias “vale mais do que mil palavras”.

Para Clara Reis, presidente da Assembleia Municipal, “esta exposição revela o mais importante da revolução. Foi feita com armas, mas com serenidade e paz. O povo e as forças armadas estiveram unidos pela liberdade”. Também o fotógrafo, docente e investigador Augusto Lemos deu o seu testemunho por ter participado nas operações da “Revolução dos Cravos” enquanto oficial sob o comando de Salgueiro Maia.
“A Liberdade passou por Aqui” pode ser visitada de segunda a sexta-feira das 10h00 às 12h00 e das 14h00 às 17h00 e aos fins de semana das 10h00 às 13h00 enquanto não forem levantadas as medidas de restrição de horário impostas pela pandemia. A entrada é livre.
S. João da Madeira é o primeiro Município a aderir ao projeto “50 anos do 25 de Abril”
“Neste momento, estou a iniciar aquilo que chamo ´50 anos do 25 de Abril´. Um grande projeto que vai ser apadrinhado pela Presidência da República. Digamos que S. João da Madeira será a primeira câmara a aderir a este projeto”, anunciou Alfredo Cunha, durante a inauguração da exposição, na Torre da Oliva. “Haverá 50 câmaras, 50 textos, 50 fotografias especiais. Vamos ouvir pessoas de todos quadrantes, militares que aderiraram, que não aderiram, pessoas que concordam com o 25 de Abril, outras que o negam. Toda a gente vai ser ouvida e vamos tentar criar um documento histórico”, adiantou o fotógrafo sobre este projeto que contará com as suas fotografias e com a colaboração de Adelino Gomes e da Tinta da China.
A História da fotografia de Salgueiro Maia
“Os olhos dos capitão”

Todas as fotografias têm uma história. Alfredo Cunha contou a do capitão Salgueiro Maia. “Esta fotografia acontece no fim de uma conferência de imprensa que ele dá às três da tarde para anunciar que: ´as Forças Armadas, a Marinha, a Força Aérea, a Polícia, a GNR estão connosco. Por isso não resistam´. Entretanto, ouve-se a voz de Carlos Beato (o braço direito de Salgueiro Maia) que diz: ´e temos o povo´. Ao que Salgueiro Maia responde: ´o povo sempre soubemos que tínhamos. De facto ele está aqui´. Quando voltei – de ter ido revelar o rolo de fotografias ao jornal diário O Século – tinha acabado a conferência de imprensa. Aconteceu-me aquilo a que em jornalismo se chama falhar o serviço. Fiz-lhe uma fotografia. Foi esta. Quando cheguei ao O Século, pediram-me uma fotografia da conferência de imprensa. Apresento esta. O chefe da redação disse: ´estás a brincar comigo? Nesta foto não se passa nada´. A foto morreu ali durante 20 anos. Quando foram os 20 anos do 25 de Abril, eu era editor fotográfico do Público e o Vicente Jorge Silva (1945-2020) o diretor. Ele disse-me: ´quero uma fotografia que ocupe o jornal todo. Como um poster. Arranja-me lá uma´. Estivemos a ver as fotografias todas e ele: ´esta fotografia é fantástica. Estão aqui os olhos do capitão´. E escreveu um editorial que se chamava ´os olhos do capitão´. A fotografia é publicada e o Público vende 200 mil exemplares nesse dia. A partir daí a fotografia ganhou vida própria”.
Além da exposição, a Torre da Oliva tem à venda uma edição especial do livro “Leica Years” que se distingue por cada exemplar incluir uma de 30 cópias numeradas do icónico retrato que Alfredo Cunha fez de Salgueiro Maia (1944-1992).
Alfredo Cunha visitou mural de Salgueiro Maia
E descerrou placa alusiva às celebrações de Abril

Após a inauguração da exposição, Alfredo Cunha visitou o mural de Salgueiro Maia, inspirado numa fotografia da sua autoria e uma das mais emblemáticas da revolução, e a chaimite, cedida temporariamente pelo Exército Português ao Município, instalados no Bairro do Poder Local, na zona de Fundo de Vila, em S. João da Madeira.
O momento contou com o descerramento de uma placa, junto ao mural feito por Francisco Draw, associada às comemorações do 25 de Abril deste ano. O fotógrafo esteve acompanhado de Aníbal Lemos, Augusto Lemos e de todo o executivo socialista.
Celebrações de Abril

As comemorações do 25 de Abril contaram com o tradicional hastear das bandeiras, seguido da atuação da Banda de Música e dos discursos de cada uma das forças políticas representadas na Assembleia Municipal (PSD, CDS-PP, PS e CDU), dos presidentes Jorge Sequeira e Clara Reis, da Câmara e Assembleia Municipais, respetivamente, e de Alexandre Gomes, representante da Assembleia Municipal Jovem, que foram realizados este ano na Casa da Criatividade.
Antes dos discursos foram entregues os prémios aos primeiros classificados do concurso de cartazes sobre o 25 de Abril, dirigido aos três agrupamentos (Dr. Serafim Leite, João da Silva Correia e Oliveira Júnior) e ao CEI, cujos cartazes podem ser consultados na anterior edição impressa e online do labor. O início e o fim desta sessão solene contou com a atuação do Coro de Câmara.
Já as comemorações populares do 25 de Abril ficaram marcadas pela inauguração de um mural no Agrupamento de Escolas Dr. Serafim Leite uma vez que as condições climatéricas não permitiram levar a cabo as restantes atividades programadas.