A exploração produz doença; Odemira que o diga

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O país vai desconfinando, lentamente, mas em Odemira há freguesias onde se impôs um cerco sanitário. Por trás do aumento de casos de Covid-19, da alta incidência e da criação de novas cadeias de contágio, estão as péssimas condições de trabalho e de habitação a que estão sujeitos milhares de trabalhadores migrantes.

Com a cerca sanitária em Odemira o país acordou (espero!) para uma realidade que já existia e que já era pública há vários anos: a da existência de tráfico de seres humanos no Alentejo, seres humanos que são explorados em condições sub-humanas, alguns sob um regime de escravatura moderna.

Já em 2017, uma reportagem da SIC denunciava tudo o que vemos agora repetido nas televisões: migrantes explorados nas malhas de redes de tráfico, sobrelotação de casas que lhes eram cobradas a preço de luxo (ou seja, para onde ia uma parte do pouco salário que viriam a receber), péssimas condições de trabalho com jornadas bem acima das 8h diárias e abandono no final das campanhas de apanha das frutas nas estufas. 2017! E não é difícil encontrar muitas outras reportagens, mais antigas e mais recentes, a expor exatamente a mesma situação social.

Ninguém pode dizer que não sabia.

Como ninguém pode dizer que não sabe que condições de vida como a exploração laboral, a privação material e a pobreza estão intimamente ligadas com a saúde. Sim, é verdade, os pobres morrem mais cedo do que os não pobres; sim, é verdade, os que estão sujeitos a uma exploração mais intensa têm mais doença e menos qualidade de vida. E a Covid-19 não é exceção.

Recentemente, o Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto concluiu existir maior risco de contrair Covid-19 nas freguesias onde se regista uma maior privação material. Novamente: a pobreza, os baixos rendimentos, as poucas condições de habitação.

É fácil perceber como isso tudo se relaciona com a exposição à Covid-19 e a outras doenças. Se o meu trabalho é precário e o meu salário baixo, não confino, tenho de continuar a trabalhar; se a minha casa não tem condições e não é possível redobrar os cuidados de higiene, estou mais exposto; se tenho de me deslocar diariamente em transportes lotados ou em carrinhas de empresas de trabalho temporário, com várias pessoas confinadas num espaço pequeno, há maior probabilidade de ser infetado.

O que não é fácil perceber é: sabendo tudo isto, como foi possível nada se fazer para acabar com esta indignidade. Onde andaram as autoridades de saúde e a autoridade para as condições do trabalho? Onde andaram os autarcas e o Governo? Terá andado o Governo a poupar em medidas para não gastar dinheiro com a pandemia? Não teria sido obrigatório garantir condições de habitabilidade a todas aquelas pessoas? Garantir condições de trabalho e desmantelar os esquemas de trabalho forçado?

As vítimas sabemos quem são: os que são tratados como sub-humanos porque vêm do Nepal, Índia, Bangladesh… Espero é que não sejam remetidos para o silêncio da história para que tudo fique na mesma e para que haja exploradores a lucrar milhões com a quase-escravidão de mulheres e homens como nós.

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