Ex-deputado à Assembleia da República Carlos Ribas partilhou com o labor “episódio” caricato do processo legislativo
Juntamente com Fernando Condesso e Ferreira de Campos, também do Partido Social Democrata (PSD), Carlos Ribas foi o deputado à Assembleia da República (AR) que, em 1982, apresentou o projeto de lei (nº 380/II) para elevação da então Vila de S. João da Madeira (SJM) a cidade.
“Na época os sanjoanenses viviam muito a vida e o pulsar de S. João da Madeira. Era como se transmitisse de geração em geração a paixão pela terra”. E tanto era assim que este sanjoanense de gema nascido no antigo hospital situado na Rua Visconde ouviu, “muitas vezes, conversas [dos seus avós] relativamente à emancipação concelhia, elevação a categoria de vila, criação do hospital, da corporação de bombeiros, da Santa Casa da Misericórdia”.
Segundo o comissário das comemorações do 16 de maio deste ano, SJM “era uma urbe que contrastava com as circunvizinhas por um desenvolvimento galopante, quer pela quantidade de indústrias, quer também por um certo progresso em termos paisagísticos, urbanísticos”. “Muitos podem não se recordar, mas a Praça Luís Ribeiro, ao fim de cada tarde, a partir das 18h00 e até cerca das 20h00, era povoada por milhares de pessoas. Era um movimento quase idêntico a certas ruas num Dia de S. João no Porto”, relatou o advogado de 61 anos ao labor, lembrando ainda “o apitar das fábricas que tinham caldeiras a vapor, pelas alvoradas, que era uma autêntica sinfonia entre as 7h00 e as 8h00”.
“Havia muito orgulho” em tudo isto, por parte dos sanjoanenses. E o próprio Carlos Ribas recorda-se de, “muito novo”, ler a Monografia de S. João da Madeira editada em 1944”. Terá sido um dos primeiros livros que leu, levando-o a aperceber-se ainda mais “da honra que as gerações anteriores, nomeadamente a geração dos meus pais e dos meus avós, tinham em S. João da Madeira”.
“Não fui mais do que um núncio ou um mensageiro”
Perante todos estes sinais visíveis do “pulsar” da terra que o viu nascer e tomando conhecimento que havia sido publicada uma lei – Lei nº 11/82, de 2 de junho – que consagrava o regime de elevação de vilas a cidades, o então parlamentar do PSD decidiu avançar rumo à concretização daquela que era uma aspiração mais do que merecida, contando com o apoio de vários sanjoanenses, entre os quais Carlos Tavares Fernandes e José António Pais Vieira, que também aparecem, ao seu lado, no vídeo feito pelo Município para as comemorações do 16 de maio.
“S. João da Madeira reunia, pelo menos em dobro, todos os requisitos que a lei exigia para que uma povoação pudesse ser elevada à categoria de cidade”. Ou seja, “o caminho estava facilitado” e, por isso, “não fui mais do que um núncio ou um mensageiro”, disse humildemente Carlos Ribas. Aliás, na sua opinião, “uma iniciativa legislativa não teria servido para nada se S. João da Madeira não constituísse o substrato de desenvolvimento que tinha”.
S. João da Madeira tornou-se cidade num tempo em que as cidades eram raras
O social-democrata lembra-se como se fosse hoje. S. João da Madeira tornou-se cidade num tempo em que as cidades eram raras. Havia apenas duas no distrito de Aveiro e 47 no país. E havia também “alguns descrentes”, “algumas pessoas de S. João da Madeira que não vislumbravam tanta chance de se alcançar o estatuto”, porque “em 1982 estávamos rodeados de outros concelhos que tinham uma dimensão populacional muito maior, um peso eleitoral extraordinariamente maior”.
Na altura, Carlos Ribas fazia parte da Assembleia Municipal, órgão autárquico que “deu parecer favorável” e que, em colaboração com a Comissão Administrativa que geria a câmara de então, convidou o presidente da Subcomissão Parlamentar para a Criação de Novas Vilas e Cidades a deslocar-se a SJM.
Para além de visitar a vila sanjoanense, Manuel Moreira foi recebido com pompa e circunstância nos Paços do Concelho. “Foi uma cerimónia pública, muito interessante. O salão encheu. A própria Comissão Administrativa lançou prospetos a convidar a população a estar presente e a população esteve presente”, descreveu o advogado, recordando também que elaborou “uma petição, subscrita por centenas de sanjoanenses, a apelar ao poder legislativo para elevar S. João da Madeira à categoria de cidade” e que foi entregue a Manuel Moreira.
Depois disso, por sugestão também de Carlos Ribas, “foi designada uma comissão composta por um representante da Comissão Administrativa, por representantes dos diversos partidos políticos com assento na Assembleia Municipal, pelo presidente do Conselho Municipal e pelo presidente da Junta de Freguesia”, tendo em vista uma audiência, em Lisboa, com a Subcomissão Parlamentar para a Criação de Novas Vilas e Cidades. A ideia era não deixar ficar esquecida “esta pretensão do povo sanjoanense”.
A Assembleia da República viria a votar a favor da elevação de S. João da Madeira a cidade a 16 de maio de 1984. Na altura, era presidente da autarquia Manuel Cambra e Carlos Ribas já não fazia parte da AR.
E por falar em votação, o advogado partilhou com o nosso jornal um “episódio” caricato do processo legislativo, que poucos ou nenhuns conhecerão: “Não sei se foram umas horas ou um dia ou dois antes, mas sei que estava na iminência a votação e recebi um telefonema de um deputado, que conhecia muito bem, que me disse que não encontravam o diploma para submeterem à votação”. Na altura, “não estava nada informatizado, era tudo em formato papel. E eu só sei que lhe disse que aquilo tinha de aparecer”.
Carlos Ribas não sabe o que se terá passado. Mas a verdade é que, após “alguns telefonemas e de ter falado com várias pessoas (já não me lembro bem dos contornos), lá acabou por aparecer”. A título de curiosidade, note-se que havia outros diplomas idênticos para serem votados, mas só o de S. João da Madeira é que desapareceu.
Sucedendo ao advogado e escritor Manuel Pereira da Costa e ao médico e poeta Flores Santos Leite, Carlos Ribas foi convidado este ano, pelo autarca Jorge Sequeira, para ser o comissário das comemorações do Dia da Cidade. “Uma distinção imerecida”, em seu entender, “porque o mérito é de todos”. “De todos e, sobretudo, das gerações passadas, porque quem criou S. João da Madeira não foram os presentes. Os presentes já nasceram quando SJM já tinha muitos alicerces”, fez notar.
“Não faz sentido haver junta de freguesia”
Carlos Ribas nada tem contra os diversos executivos da junta de freguesia. Pelo contrário. Reconhece-lhes “mérito”. No entanto, o advogado defendeu, em declarações ao nosso jornal, que em S. João da Madeira “não faz sentido haver junta de freguesia”.
“Acho que a câmara num concelho como o nosso pode perfeitamente absorver todas as competências de uma junta”, disse ao labor, acrescentando que “os recursos públicos são escassos e como são escassos devemos rentabilizá-los”.
Integração de Milheirós de Poiares não será realidade tão cedo
Este militante do PSD há mais de 40 anos, que chegou a ser conselheiro nacional do partido em vários mandatos, afirmou ser “favorável” à integração de Milheirós de Poiares em SJM. Mas não acredita que tal “seja possível num curto prazo”, porque “o nosso desejo existe, mas o desejo de Santa Maria da Feira de abrir mão dessa freguesia não existirá”.
“Mexer na organização administrativa de um país é sempre uma tarefa complicada e não se pode fazer, penso eu, por uma decisão pontual. Ou seja, terá de haver um quadro legislativo que defina as regras, pressupostos e condições para qualquer rearranjo da organização e do mapeamento administrativo do território”. Caso contrário, “estou certo que irá ser o epicentro de desentendimentos e de guerras políticas infindáveis”, vaticinou.
A favor do metro de superfície até ao Porto
Passados 37 anos desde a elevação a cidade, Carlos Ribas é de opinião que S. João da Madeira “ainda pode continuar a crescer”. Mas – atenção – “a crescer com qualidade”, como fez questão de notar.
De acordo com o comissário das comemorações do 16 de maio deste ano, SJM “deve manter o ritmo de crescimento, sempre com a referência de que as cidades são para as pessoas e não as pessoas para as cidades”.
E, precisamente, nesse sentido deve haver um maior investimento em termos de acessibilidades. Em seu entender, “devíamos ter uma ligação direta à A1 e à A29, facilitada e não condicionada pelas regras rodoviárias ou pelas políticas rodoviárias impostas ou condicionadas por outros concelhos”.
Para além disso, “acho absolutamente fundamental uma ligação ao Porto e a todas as povoações que nos separam do Porto através de um transporte público não poluente”, nomeadamente do metro de superfície. “Se ele vai até à Póvoa, porque não há de vir até S. João da Madeira?”, questionou o advogado sanjoanense.