Nesta roda da vida, mais uma vez rodei a chave do velho portão verde. O ranger da chapa e das dobradiças é o mesmo ranger das velhas memórias quando os olhos se alongam pelo pátio fora, acostumados que estão, desde há tantos anos, a toda aquela verdura, aos montes de flores que se abrem de semana para semana, às manchas de sol e sombra numa bela pintura da natureza e ao reconhecer a época do ano sem precisar de calendário. Todos os recantos têm a sua história, a sua saudosa realidade, passada ou presente. Ali viveu a figueira dos figos pingo de mel, acolá a cerejeira que dava cerejas pretas, mais além a trepadeira enroscada em arbustos mais antigos, e no campo da eira o pano de fundo do vale encantado rendilhado de céu por entre os ramos das árvores. Ouve-se o silêncio à mistura com o cantar da água da mina e o chilrear dos pássaros, o decantar do passado em tudo o que é presente. Respiro o ar puro que entra em mim repleto de memórias, cheio de sol e luar, pleno de crepúsculos e madrugadas, abro portas e janelas, corro a casa de cima a baixo e percorro o quintal à medida das forças e da idade. Só depois, vou aos pormenores.
Espreito aqui e ali, ora uma flor nova que desabrochou inesperadamente, ora um novo arbusto que rebentou ao longo do rego da água, ora este e aquele fruto que já teima em se mostrar, mais temporão ou mais serôdio, os cachos de uvas de boa nascença e o melodioso compasso do tempo a marcar a música da natureza.
Ao puxar uma hera que já estava a querer entrar atrevidamente para se pôr à janela, dei com um buraquinho muito redondo e bem feito onde cabia um dedo, ali mesmo à mão de semear, entre a hera e a parede, forrado de penugem. Já não tinha ovos nem passaritos. De tão pequena a entrada, via-se logo que era de carriça, ave pequenina, muito laboriosa e irrequieta, que não é costume enjeitar. Se ninguém desfizer o ninho, tem por hábito voltar, dois ou três anos seguidos. Também eu volto sempre enquanto o meu ninho me acolher. Bem-vinda seja a carriça.