No meu eterno diálogo com o silêncio e a natureza, cruzam-se os meus olhos com um bando de andorinhas a sobrevoar o pátio, junto ao beiral da casa. De repente, fecham as asas e poisam no campo já meio comido da secura do Outono. Estranhei este inesperado voo, já quase esquecido nos fundos da memória. Há tanto tempo que não via por ali andorinhas, nem sequer na Primavera, quando, às centenas, formavam um colar de pérolas negras nos fios eléctricos. Recordei as palavras da minha professora primária, dizendo que, no Outono, as andorinhas se empoleiravam nos fios da electricidade para combinarem, estilo assembleia, a partida para o Norte de África em busca de terras mais quentes. E a minha mente de criança sentia grande admiração por esta aventura para os confins do mundo, sonhando voar com elas. Talvez este pequeno bando ainda não tenha decidido emigrar, preferindo aproveitar os restos do calorzinho de Outono. Tentei aproximar-me para ver se eram andorinhas ou “arvelinhas”, as preferidas da minha infância. Sendo de famílias diferentes, andorinhas e alvéolas são semelhantes no tamanho, e até nos hábitos. As alvéolas são mais prateadas e mais isoladas nos seus voos e passeios. Umas e outras nidificam por baixo dos beirais, abrigadas do tempo, aparecendo por cá no começo da Primavera.
Fiquei feliz com esta aparição, hoje tão rara e tão frequente noutros tempos. Desci ao campo para ver se me deixavam aproximar, mas de imediato debandaram num rodopio de dois ou três voltejos e desapareceram no céu límpido de azul lá para as bandas do rio. Foi então que reparei numa pequena mancha negra no meio das ervas amarelecidas e crestadas pelo sol. Era uma andorinha que ali ficou inerte e moribunda. O pequenino coração pulsava ainda no peitilho branco do seu elegante vestido negro, mas em nada lhe pude valer. Esticou a patita e ali morreu, sozinha, longe da família e do seu bando, como tantas vezes acontece a todos os seres vivos, incluindo os seres humanos. Quem sabe se aquele circular voltejo das suas companheiras não terá sido mesmo um fúnebre ritual de despedida!
Abandonei o campo, a andorinha morta e o pensamento sempre difícil de afugentar neste palco onde contracenam a vida e a morte. Sentei-me de novo no banco do pátio e esperei pelo fim da tarde, deliciada com as cores do outono. Porém, antes de vir embora, voltei ao campo para me despedir da andorinha mas o seu corpito já lá não estava. Lembrei-me então do gato amarelo que por ali anda, atrevido e sorrateiro. Que triste fim o desta andorinha! Mas não é por morrer uma andorinha que se acaba a Primavera. Foi então que senti em mim a criança que fui, recuei no tempo e sorri ao querer acreditar que a andorinha ressuscitou, correndo pelo infinito para se juntar ao bando.