Esta janela que me abre ao mundo dos infinitos,
Deixa entrar o sol de maio, rumores da água do lago,
O arrulhar das columbinas assustadas com os gritos
Da criançada que passa, sob os olhares de um afago.
A Primavera a fugir, na saudade de um voo,
Desta ou daquela avezinha que se cruza na janela,
E eu de pena na mão, a fugir do meu enjoo,
Da rotina, mas saudoso, sem querer sair junto dela!
E revejo-me no bronze do Santo e do Menino,
Indiferentes aos jogos que se movem adiante:
Procuro desconhecer tudo o que é peregrino,
Neste cérebro inquieto, como o do judeu errante.
As cadeiras da esplanada de um vizinho restaurante,
Aguardam pelos clientes nas sombras do arvoredo,
E eu a aguardar também, para poder num instante
Escrever algo condigno com o meu humor de tão cedo.
É que as manhãs por nós são como sonhos acordados;
Queremos voltar atrás e refazer a visão.
Dos pormenores sem interesse, de factos determinados,
Que embora sempre os mesmos são aceites pela razão.
O ruído da cadeira, o chamamento à mesa,
Os pedidos das ementas, o ajustar dos vestidos,
Dos casacos, dos defeitos, sem se pensar na despesa
Apenas a delícia justa de paladares conhecidos.

Flores Santos Leite